1.
Querido António Filipe…
…sei que não és destas coisas, um comunista pode chorar, mas nunca publicamente.
Um comunista prefere sofrer entre quatro paredes, entre camaradas e família, sozinho.
Não fazia ideia que a companheira da tua vida estivesse doente.
Julgo que nunca estive com ela, nunca conversámos, mas vi-vos próximos um par de vezes.
Fiquei impressionado por serem mais bonitos um com o outro do que separados. É como se um fosse o outro, não o sendo.
Foi o que senti na apresentação de um livro teu.
Já não sei o que era, recordo que foi na Biblioteca do Parlamento e que a Orlanda estava lá.
O modo como respondia ao teu humor… sorria como se tivesse acabado de te conhecer. Sorria como se tivessem voltado ao tempo da Juventude Comunista quando as vossas férias eram passadas a construir a Festa do Avante!.
2.
António Filipe, perdeste a tua camarada.
Os dois cresceram um com o outro, foram uma célula indestrutível.
Tiveram dois filhos, a Ana e o Miguel – tenho ouvido falar da Ana aqui em casa.
Sei que tiveram um neto, talvez tenham mais, não sei. Mas pelo menos um têm, o Gonçalo que faz anos no mesmo dia que tu – isto é uma coincidência tão grande que me atrevo a denunciar os contactos privilegiados que és bem capaz de ter lá em cima.
3.
Bem, não quero brincar com coisas sérias, António.
Imagino-te no silêncio de tantas memórias.
De tantos combates difíceis.
De tanta esperança ainda assim.
Tenho pena que a Orlanda não esteja contigo na campanha das presidenciais – certamente que estará de uma outra maneira.
Aplaudir-te-á num som que apenas tu serás capaz de ouvir.
4.
Ah, e querido António.
Não tem nada a ver com o que me traz, mas obrigado por existires.
Obrigado pela dignidade que ofereces à função de deputado.
Nestes tempos de bafo quente e hienas és um exemplo para todos os que acreditam na democracia e na liberdade.
Sendo comunistas ou não.
Os meus sentimentos, o meu mais forte abraço.
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