1.
Dizer mal de Marcelo Rebelo de Sousa passou a ser um novo desporto em Portugal.
Nas redes sociais é achincalhado.
Nos editoriais, atacado.
Nas palavras dos comentadores, menorizado.
Nas sondagens, ultrapassado.
No parlamento, silenciado.
2.
O homem parece um condenado às galés.
A esquerda critica-o por ter feito cair o governo de Costa.
A direita critica-o por ter levado ao colo o governo de Costa.
Os populistas criticam-no por ser a prova de que a democracia está caduca.
Os democratas de ser populista.
Os professores, simplista.
Os elitistas por gostar do povo e de selfies.
Os comunistas de ser elitista.
Os católicos de ter feito o jogo dos ateus.
Os ateus de ser um católico ortodoxo.
Nada do que faz agora é correto.
Da mesma forma de que nada do que antes fazia parecia errado.
3.
Marcelo Rebelo de Sousa cometeu erros.
Não há qualquer dúvida sobre isso.
Alguns que o penalizaram fortemente.
No entanto, é tempo de se dizer o óbvio: um dia teremos saudades deste Presidente da República, deste homem tão particular, tão fora da caixa, mas também tão próximo, empático e surpreendente.
Vendo a maioria dos vários pré-candidatos às presidenciais, percebendo as hipóteses de algumas figuras poderem conquistar Belém, tenho a absoluta convicção do que acabo de dizer.
4.
Não me esqueço do contraste de Marcelo para a presidência de Cavaco Silva.
Da mudança de um país zangado para um país mais confiante e cosmopolita.
Não me esqueço do orgulho de ver o modo como se sentou ao lado de Trump na Casa Branca, da coragem com que ostensivamente o colocou em causa.
Não me esqueço dessa característica extraordinária de estar bem em Westminster e na casa do pastor mais humilde na mais humilde das serras. De estar bem a fazer um discurso nas Nações Unidas e a amparar portugueses que tudo perderam nos incêndios de 2017.
Não me esqueço da pandemia.
Não me esqueço de ter sido o primeiro Presidente da República a condecorar figuras amadas pelo povo e ostracizadas pelas elites, como Marco Paulo e Tony Carreira.
Não me esqueço da força de um abraço que deixou o Papa Francisco aflito.
Dos festejos na vitória de Portugal no Campeonato da Europa quando os jogadores pediam para que ele entrasse no balneário.
Do que moveu para António Guterres ser secretário-geral da ONU, do discurso na morte de Mário Soares, da solidariedade fora da agenda com tantas pessoas que dele receberam uma visita.
Não me esqueço dos banhos de mar.
Dos abraços ao povo.
Da sua solidão e tristeza nestes últimos dois anos.
Também não me esqueci disso.
É um país do caraças.
De repente, todos os bichos caretas, letrados e iletrados, se sentem à vontade para falar da inteligência de Marcelo Rebelo de Sousa.
É como se o ponta de lança do Arrentela pusesse em causa a qualidade em frente à baliza de Cristiano Ronaldo.
É preciso ter lata.