O Núcleo de Biologia da Associação de Estudantes de Coimbra lançou ontem um concurso de ideias em homenagem ao botânico Jorge Paiva. É uma boa ideia.
O nome de Jorge Paiva devia ser regado e cuidado como se cuida da mais bela e frágil flor de um jardim. Ele gosta de narcisos, da beleza dos narcisos, não porque pretenda, retirado de cena aos 91 anos, rever o próprio rosto num espelho de água. Gosta da beleza da flor, do caule inclinado em vénia à flor amarela ou branca.
Jorge Paiva é um notável cientista desiludido com a apatia dos seus contemporâneos face aos problemas ambientais. Ao longo de várias décadas, o admirável botânico enviou, todos os natais, milhares de postais alertando para a necessidade de civismo ambiental. O último citava Camões, “valioso lírico”. Foi o pretexto para o botânico Jorge Paiva sacudir a legenda de “lírico irrealista” que os da compostura oficial e oficiosa, os que não fazem nem deixam fazer, lhe foram colando.
Está por fazer a grande homenagem nacional a este homem cujo nome foi dado pela comunidade científica a várias plantas entretanto descobertas. Mas sob o sorriso condescendente dos guardadores da circunspecta academia esconde-se o desdém dos contentes de si mesmos. Se perguntares na rua aos mais finórios, a quem quer que passe na pressa dos passeios, quem é Jorge Paiva, botânico, uma vida longa dedicada à paixão das plantas, o homem das improváveis expedições que lhe granjearam revelações de um mundo vegetal e várias crises de malária, poucos saberão.
Esbracejou ao longo da vida, abriu nesgas de clarividência onde imperava a opacidade, não esconde a desilusão com a desatenção dos dirigentes políticos relativamente aos temas ambientais, fora das proclamações de circunstância. Tirando Guterres, não reconhece uma voz persistente na política actual que continuadamente alerte para o desastre.
Eis que um grupo de estudantes da universidade onde Jorge Paiva se licenciou e fez carreira acende a luz da sala, tocando no ponto: “Enquanto estudantes e futuros biólogos”, sublinham, “sentimo-nos responsáveis pela desilusão expressa pelo professor Jorge Paiva no seu último postal de Natal”. Assim levantam o braço frente à indiferença geral e iniciam o que me ocorre designar como Expedição ao continente Jorge Paiva. O núcleo de estudantes de biologia de Coimbra desassossega por instantes os corredores sisudos e lança o Concurso Jorge Paiva, na expectativa de que surjam ideias para a reabilitação de espaços e preservação de espécies na região de Coimbra.
E no início de Março há uma exposição com os postais de Natal do admirável botânico. A flor de narciso ganha um amarelo vivo, saudando a primavera que não tarda.