Zanderson e as altas telhas

A rubrica diária de Fernando Alves nas manhãs da Antena 1, para ouvir e ler.

Zanderson e as altas telhas

A rubrica diária de Fernando Alves nas manhãs da Antena 1, para ouvir e ler.

Já lá vão uns anos, quase perdido no mapa, parei numa das curvas da serra da Freita e pedi ajuda a uma mulher na berma. A mão dela desenhou o caminho certo no vento, pedi desculpas pelo incómodo e expliquei que não me entendia com gps. A mulher contou-me que condutores artilhados com a melhor tecnologia de navegação lhe haviam entrado, mais do que uma vez, por um canteiro de couves.

Foi pior o caso acontecido ontem com Zanderson Paiva, camionista internacional, a quem o gps aconselhou um percurso que o deixou encalhado na rua da Pena, em Santa Maria de Galegos, Barcelos. O jornal O Minho conta hoje que Zanderson ia buscar carga a uma fábrica de cerâmica decorativa, ali perto. Ao levar o camião para o estrafego de uma quelha apertada, arranjou uma carga de trabalhos. O camião não tinha margem de recuo e não podia já seguir em frente, horas perdidas que Zanderson poderia ter aproveitado para saber um pouco da história do lugar onde nasceu Domingos Côto, o criador do galo de Barcelos. Foi galo de Zanderson.

Aconteceu-me coisa parecida certa noite alta em que levei o carro de reportagem pelo carreiro mais íngreme de uma Castelo Rodrigo mergulhada em nevoeiro. Quando já não podia seguir em frente e me era difícil recuar, saí com razoável dificuldade da viatura e tacteando a noite e o murete agreste, esbarrei focinho com focinho com uma vaca estremunhada, a cabeça fora da corte.

A vida de Zanderson na exígua rua da Pena complicou-se porque a cabina do camião ficou presa no telhado de uma casa de habitação.

Estamos chegados ao momento em que “uma pequenina luz bruxuleante” brilha sobre a notícia. O proprietário da habitação retira, uma a uma, as telhas que impedem a passagem do camião de Zanderson Paiva. As telhas do telhado, pois claro.

Mais do que casos de facadas ou de desastres em cadeia, esta cena passada ontem na rua da Pena, na terra onde nasceram Domingos Côto e sua filha Rosa Côta e sua neta Júlia Côta, deveria ter merecido um interminável directo de certos canais televisivos. Um camionista internacional a quem o gps cintou a poderosa máquina num espartilho em forma de rua assiste à generosa desconstrução de um telhado, telha a telha. A cena poderia ter sido perpetuada em barro de muitas cores pelos artesãos que continuam a saga dos Côtas, lá em Galegos de Santa Maria. Algumas belas construções começam pelo telhado.

Texto e programa de Fernando Alves