Georges Simenon foi um exímio contador de histórias, uma máquina de escrita imparável que criou um estilo inconfundível, preciso na descrição dos ambientes e das situações.
O escritor criou personagens intemporais em variadíssimos romances. Mas não há dúvida que a criação principal de Simenon é o comissário Maigret, a personagem mais humana e complexa da literatura policial, com o seu cachimbo característico (tal como o seu criador), um polícia que, ao contrário de Poirot ou Sherlock Holmes, não tem poderes especiais ou capacidades extraordinárias. É apenas um homem que quer compreender os outros, dos criminosos às vítimas, tanto nas ruas de Paris como noutras cidades da província.
Simenon escrevia muito porque tinha de escrever. O seu ritmo de produção, em que conseguia fazer um livro numa semana, deu origem a muitos romances diferentes e singulares. No início dos anos 70 abandonou a ficção, e fez uma longa autobiografia que ditou por completo para um gravador.
E mais tarde, o suicídio da filha Marie-Jo, em 1978, leva-o a escrever as Memórias Íntimas, publicadas no início dos anos 80 e traduzidas nessa década pela Livros do Brasil, onde fala, por exemplo, da relação que tem com a sua obra.
Os meus amigos, incluindo alguns sérios especialistas, espantam-se com a minha memória. Esqueço-me dos meus romances, mal os escrevo. Contudo, se os invocam na minha presença, logo me recordo do cenário que me envolvia na altura em que os escrevi, muitas vezes sem ser-me possível fixar a época e o local.
Georges Simenon criou uma obra ímpar e colossal, composta por centenas de livros entre histórias de Maigret e os outros romances, a que ele apelidou de “roman durs”, alguns policiais, outros dramas que vão ao âmago da experiência humana, como O Quarto Azul, história complexa de dois amantes, e O Homem Que Via Passar os Comboios, um estudo psicológico sobre o confronto de um homem comum com o sentimento de vingança.
Foi um autor reconhecido por alguns dos seus pares, recebendo, por exemplo, grandes elogios de André Gide e William Faulkner e, ao mesmo tempo, foi um favorito das massas. É ainda hoje um dos escritores mais populares do mundo, com mais de 500 milhões de livros vendidos. Os seus romances continuam a causar impacto em leitores de todo o mundo. Em Portugal, Simenon foi uma presença assídua nas livrarias graças, por exemplo, à coleção Vampiro. Nos últimos anos foram editados alguns títulos pela Relógio D’Água. Além dos dois já citados, destaque ainda para a reedição de Maigret Arma uma Ratoeira, uma das melhores histórias do comissário.
Além disso, Maigret continua a dar que falar na televisão e no cinema, como comprova a mais recente adaptação das suas histórias. Depois de Jean Gabin, Jean Richard, Bruno Cremer, Michael Gambon e Rowan Atkinson, foi Gérard Depardieu a vestir a pele do comissário em Maigret e a Rapariga Morta, estreado entre nós no início deste ano, realizado por Patrice Lecomte.
Os 120 anos do nascimento do escritor vão dar origem a muitas celebrações, enquanto novas edições dos seus livros continuam a surgir em vários países. Em Liège, a sua cidade-natal, vai acontecer o Printemps Simenon Festival, que de 8 a 11 de março vai homenagear a vida e a obra do criador de Maigret, e que tem um dos seus filhos, John Simenon, na organização. Da programação fazem parte encontros literários, exposições, sessões de cinema com as adaptações dos seus livros e ainda um passeio pelos lugares da infância do escritor.