Estamos uma vez mais no teatro, desta vez com uma mão-cheia de canções que nasceram em discos editados entre a década de 70 e o início dos anos 80. Discos de quem?… Da banda sueca mais popular de todos os tempos… E na origem não eram mais do que singles e faixas de álbuns. Mas na década de 90 foi pensada uma narrativa na qual essas canções podiam ajudar a contar uma história. E foi um sucesso! Primeiro no palco. E depois num filme que entretanto já teve direito a uma sequela… Hoje, as notas no palco levam-nos ao mundo solarengo de Mamma Mia!
Em traços largos a história dos Abba começou a ganhar forma de forma separada para cada um dos quatro músicos ainda nos anos 60, até que, em 1972 deram por si juntos, num quarteto… Mas Björn, Benny, Agnetha & Anni-Frid, como então se apresentavam, não era um nome muito entusiasmante. Mas foi assim que editaram o single de estreia “People Need Love” em 1972. No ano seguinte editaram um álbum de estreia e concorreram pela primeira vez ao Melodiefestivalen, ou seja, o Festival da Canção sueco… Ficaram em 3º lugar com “Ring Ring”, mas isso não os fez desistir do sonho… E em 1974 foi o que se sabe. Venceram a seleção sueca e depois a Eurovisão com “Waterloo”… Mas não ficaram a olhar para o troféu que levaram para casa. Não pararam de trabalhar. Vincaram e ampliaram o estatuto de sucesso, transformando-se numa das bandas de maior sucesso da música pop dos anos 70.
Em 1981, depois da edição do álbum “Visitors” seguiram-se novas sessões em estúdio das quais chegaram surgir dois novos singles já em 1982: “The Day Before You Came” e “Under Attack”, que foram reunidas num ‘best of’ que então assinalou dez anos de atividade. Essas eram contudo canções que poderiam integrar um eventual novo álbum que não tinha data de lançamento muito clara… O certo é que na agenda de Frida estava a edição de um primeiro álbum a solo em inglês, no fundo algo que estava também nos planos de Agnetha… Por seu lado Benny e Björn arregaçavam as mangas e mergulhavam na escrita de um primeiro musical… Os Abba tiravam umas férias… E na verdade nunca falaram de um ponto final…
Nos anos 90, mais concretamente dez anos depois do início da pausa imposta pelos Abba a si mesmos, a música do quarteto sueco estava surpreendentemente na ordem do dia… E tudo por conta do sucesso da compilação “Abba Gold” (1992). Data também dos anos 90 a génese de um possível musical com canções dos Abba. Uma primeira ideia já tinha sido levantada nos anos 80 quando a produtora Judy Craymer tinha notado a Benny e Björn o potencial narrativo da canção The Winner Takes It All. Não ficaram muito convencidos, mas não fecharam a porta à ideia… Contudo tivemos de esperar até 1997 para vermos a mesma produtora a encomendar a escrita de um texto dramatúrgico, convidando então Cantherine Johnson para o fazer…
Por estes dias a ideia de um musical com canções da dupla Benny Andersson e Björn Ulvaeus era tudo menos surpresa. Até porque o tal primeiro trabalho que ambos assinaram quando os Abba tiraram férias em 1982 correspondeu ao musical Chess, estreado em Londres em 1986. “Chess” abriu da melhor forma o percurso de ambos os músicos como autores de musicais que teve depois continuidade em 1995 com uma segunda proposta, desta vez cantada em sueco: “Kristina från Duvemåla”.
O projeto seguinte correspondeu, finalmente, à ideia que tinha começado a nascer anos antes, com a produtora Judy Craymer e a que Cantherine Johnson ajudou a dar forma. Canções de várias etapas de vida dos Abba, de “Honey Honey”, “Gimmie Gimmie”, “Voulez Vous” ou “Super Trouper” aos inevitáveis “Dancing Queen” ou “Waterloo”, estavam integradas numa narrativa que muitas vezes nada tinha a ver com as histórias e temáticas originais de cada uma delas… E não é que tudo fazia sentido?…
E que história é esta?… É uma história passada numa ilha grega ficcional. Chama-se Kalokairi e ali descobrimos a jovem Sophie, que ultima os preparativos para o seu casamento com o noivo Sky… Sophie é filha de Donna, uma sueca que se mudou para a ilha há já muitos anos e que em tempos teve uma banda com duas amigas… As Donna & The Dynamos, que se vestiam bem ao jeito dos Abba por alturas da sua vitória na Eurovisão. Sophie só não sabe quem é o pai. E, sem a mãe saber, resolve convidar para o casamento os três homens que se cruzaram com a vida de Donna uns nove meses antes do seu nascimento.
Com encenação de Phyllida Lloyd, “Mamma Mia!”, o musical, teve estreia em abril de 1999 no Prince Edward Theatre em Londres. Em 2004 mudou-se para o Prince Of Whales Theatre e, desde setembro de 2012, está no Novello Theatre, mesmo ao lado da ópera, em Convent Garden. São já longos anos de representações, apenas com uma interrupção entre março de 2020 e agosto de 2021, em tempo de pandemia…
O musical atravessou depois o Atlântico e chegou a Toronto em maio do ano 2000. Houve depois estreias em San Francisco, Los Angeles e Chicago. Até que chegou à Broadway em outubro de 2001, ficando em cena até setembro de 2015, primeiro no Winter Garden Theatre, depois no Broadhurst Theatre. Ao todo foram 5773 representações, o que fez de Mamma Mia o jukebox musical com vida mais longa na Broadway até aqui…
Além de Londres e Nova Iorque, “Mamma Mia!” teve produções locais pelos mais variados cantos do mundo. E tembém conheceu digressões que já passaram por Portugal… É de facto um caso de sucesso planetário… E que reforçou ainda mais o estatuto dos Abba no quadro da cultura popular.
Um sucesso desta dimensão é claro que não se ia esgotar nos palcos. E foi a própria Phyllida Lloyd quem assumiu a realização de uma produção que levou ao elenco nomes como os de Meryl Streep, Pierce Brosnan, Colin Firth, Stellan Skarsgard ou Julie Walters… E que teve estreia em Londres a 30 de junho 2008. Todavia, a estreia que mais atenções chamou foi a que teve lugar a poucos dias depois em Estocolmo… É que essa correspondeu à primeira ocasião, desde 1986, em que os quatro elementos dos abba apareceram juntos em público.
Foi um sucesso. E dez anos depois surgiu uma sequela, desta vez com Oliver Parker na realização. É certo que nem todas as sequelas são como “O Império Contra Ataca” ou “O Padrinho 2″… E “Mamma Mia! Here We Go Again” está claramente noutra divisão… Mas o filme, onde vemos como Donna conheceu cada um dos três antigos namorados, deu-nos ao menos a possibilidade de ouvir Cher e Andy Garcia, em dueto, a cantar “Fernando”.
Por incrível que pareça a história dos Abba e das suas canções não terminou com o musical “Mamma Mia!”, a sua vida no cinema e a sequela de 2018… Em 2004 fizeram discretos cameos num vídeo (que foi protagonizado por marionetas) criado para assinalar os 30 anos da vitória de “Waterloo” na Eurovisão. E eis senão quando começam a surgir rumores de algo novo. Primeiro falava-se de um especial para televisão… Depois sobre a eventualidade de uma ou duas novas canções para esse mesmo evento… Na verdade o projecto evoluiu para um modelo inovador de espetáculo e, além das duas canções inéditas, o grupo acabou mesmo por criar um novo álbum (“Voyage”, editado em 2021), surgindo em Londres, em maio de 2020, o espectáculo “Abba Voyage”, que ainda está em cena.
E este é de facto um espetáculo único e… desconcertante. Único pelo ineditismo tecnológico envolvido. E desconcertante porque cria de facto a ilusão de estarmos a ver, em palco… os Abba. É que, ao invés de espetáculos holográficos que já antes tinham sido criados para figuras que já não estão entre nós (como por exemplo Maria Callas), esta proposta contou com o envolvimento de facto dos quatro elementos dos Abba que foram submetidos a sessões de digitalização dos seus movimentos, criando um volume de informação que permitiu a criação de entidades digitais (os tais “abbatars”) que assim se movem com um sentido inesperado de “realismo”.
Para acolher os “abbatars” foi construída uma sala que, munida de tecnologia de alta definição, permite não apenas criar a “ilusão” da presença em cena dos quatro músicos mas a própria ideia de experiência (literalmente) imersiva, já que tanto o teto da sala como três das paredes recorrem a dispositivos de luz e geração de imagens que alargam o show para lá da ideia mais tradicional de palco. A tudo isto junta-se ainda a construção de um alinhamento que prevê pontuais momentos de comunicação dos quatro músicos com a plateia, um alinhamento de canções que junta velhos clássicos, alguns temas menos óbvios e duas das “novas” canções.
Hoje visitamos Mamma Mia, um musical criado a partir de canções dos Abba que continua a esgotar salas pelos pontos do mundo por onde vai passando, e ainda com residência inabalável no West End londrino. Na próxima semana viajamos até aos tempos da independência dos Estados Unidos, com um musical relativamente recente mas que já ganhou um estatuto de clássico.
Texto e programa de Nuno Galopim
O novo episódio de “Notas no Palco” encontra-se já disponível na plataforma RTP Play. Uma versão com mais texto e mais entrevistas está disponível nas plataformas de streaming Spotify e Apple Podcasts.
Os episódios desta primeira temporada de “Notas no Palco”, com autoria de Nuno Galopim, incluem entrevistas com Joaquim René (diretor dos teatros Variedades e Capitólio), o encenador Paulo Sousa Costa, os atores (e cantores) Fernando Fernandes (FF), Sissi Martins e Mariana Marques Guedes e ainda o crítico de cinema João Lopes.
