A decisão de mudar a capital do Rio de Janeiro para Brasília comportou um dos mais célebres episódios na história do urbanismo, da arquitetura e das artes em geral no século XX. A mais de mil quilómetros do mar, Brasília ganhou forma na segunda metade dos anos 50 e foi inaugurada a 21 de abril de 1960 por Juscelino Kubitschek, o presidente que comandou os destinos do país entre 1956 e 1961. Figuras de renome como Lúcio Costa e Oscar Niemeyer são apenas alguns entre os protagonistas de uma história que está agora contada na exposição Brasília – Da Utopia à Capital, que, criada para assinalar os 50 anos da capital brasileira, começou depois a correr mundo, tendo chegado simbolicamente a Portugal no ano em que se celebrava o bicentenário da independência do Brasil. Patente num anexo do Museu Nacional dos Coches, em Lisboa até 28 de fevereiro, com etapa seguinte, a partir de maio, no Instituto Pernambuco no Porto, a exposição é de acesso gratuito e junta imagens e objetos que não só destacam a dimensão urbanística e artística deste feito como evocam também os “candangos”, ou seja, aqueles que construíram as suas ruas e edifícios.
A exposição, com curadoria de Danielle Athayde (autora de uma tese de mestrado sobre este tema), apresenta cerca de 300 obras de arte e documentos, entre os quais encontramos maquetes de edifícios (como os palácios do Planalto e Alvorada), uma maquete fotográfica do plano urbanístico, esculturas de Maria Martins, de Bruno Giorgi e Alfredo Ceschiatti e fotografias assinadas por Marcel Gautherot, Peter Scheier, Jean Manzon e Mário Fontenelle. Este conjunto de peças provém de diversas coleções brasileiras, entre as quais o Instituto Moreira Salles, o Arquivo Público do Distrito Federal e a Coleção Brasília. Esta última coleção foi reunida pelo casal Izolete e Domício Pereira, que chegaram à nova capital ainda antes da sua inauguração oficial e que abrange cinco décadas da história da arte brasileira.
A ideia de construir uma capital naquela região tem a ver, como explica à Antena 1 a curadora da exposição, tem a ver com “o desenvolvimento económico do interior do Brasil”, tanto que, depois outras mais cidades de regiões igualmente afastadas da costa conheceram sinais de evolução. “Ali foi o começo de tudo”, explica. Brasília, em concreto, tornou-se “icónica” porque à sua criação foram chamados alguns “mestres da arquitetura, do urbanismo e das artes”. Danielle Athayde conta que Juscelino Kubitschek, durante a campanha eleitoral de 1955, garantiu que, se fosse eleito, Brasília (para a qual já havia primeiros estudos e levantamentos), iria sair do papel. E assim foi. Antigo governador em Minas Gerais, Juscelino Kubitschek “era um homem visionário” e “já conhecia Oscar Niemeyer”. Faz-lhe então “um convite para criar os principais palácios da cidade e é Niemeyer que então sugere ao presidente a ideia de se fazer um concurso para escolher um projeto urbanístico”. Das muitas candidaturas surge o vencedor, Lúcio Costa, “com o seu projeto piloto para Brasília, muito simples, mas que é realmente icónico e nunca antes visto”, descreve a curadora da exposição.
E quem desde então caminhou pelo centro de Brasília, em particular a Esplanada dos Ministérios, a Praça dos Três Poderes e o Palácio da Alvorada, acabou por assim visitar marcos da história da arte do Brasil. A cidade, sublinha Danielle Athayde, é conhecida por ser “um museu a céu aberto” e conta que Juscelino Kubitschek e Oscar Niemeyer lançaram convites a “artistas brasileiros que se destacaram no modernismo”. Alfredo Ceschiatti (escultor dos anjos da Catedral), o escultor Victor Brecheret, Bruno Giorgi (autor de Os Guerreiros, célebre representação dos dos candangos) ou Marianne Peretti (autora dos vitrais da Catedral Metropolitana) são alguns dos exemplos que a curadora aponta, referindo-os como “artistas que têm um trabalho muito simbólico na cidade”.
Era inevitável confrontar depois a curadora desta exposição sobre Brasília com as cenas de vandalismo que ali ocorreram a 8 de janeiro de 2023. “Estamos em estado de choque”, respondeu. E acrescenta: “o que aconteceu foi um assassinato, foi um extermínio com as artes brasileiras”, rematando que “é impossível imaginar que isso um dia poderia acontecer na capital do Brasil”.
Texto de Nuno Galopim
Pode ouvir aqui a entrevista completa com Danielle Athayde, curadora de Brasília – Da Utopia à Realidade.
A exposição está neste momento patente no Museu Nacional dos Coches, com horário de terça a domingo – das 10h00–18h00 (última entrada às 17h30). Encerra à hora do almoço, das 13h00–14h00.