Nome: João Oliveira
Letras: Corpo e Sangue / Seis poetas
Corpo e Sangue
Quando de um corpo se faz carne
Deixa de ser um corpo então
Quando do sangue se faz vinho
Nada mais há para correr no coração
Quando da pele se faz roupa
Pode acabar o nosso frio
Mas essa pele nunca mais
O frio, calor dos nossos dias sentiu
E eu que tão sozinha andava
Num corpo que mal era meu
A trabalhar como uma escrava
Ganhar de novo o que o corpo perdeu
Os homens vinham indiscretos
Para eles não era mulher
Não era mais do que um objeto
Para um dia usar e no outro esquecer
Sobre um colchão, sob um lençol
Esperei em vão nascer o sol
E então rezei como ninguém jamais rezou
E tanto eu rezei que um dia ele lá chegou
Um homem também tão perdido
Juntinho a mim lá descansou
Fez do meu corpo tão sagrado
Sem querer de mim fez o que eu hoje sou
A minha pele é o seu porto
E o meu sangue é o seu mar
Ai quem me dera que todo o corpo
Fosse assim, desse tudo o que um corpo
Tem para dar
Seis poetas
Concreto, concreto, sou poeta do concreto
O conteúdo é tudo, faço imagens com afetos
Encho a mente de todo o leitor de aromas, de música e cor
Para nesses cenários imaginários também se conseguirem pôr
Abstrato, abstrato, sou poeta do abstrato
Ninguém sabe bem ao certo os temas que eu trato
No final, é a forma que faz um poeta também ser capaz
De dar a noção de perfeição e um sentimento de harmonia e paz
Eu escolho a dedos consoantes e vogais
E colo as a menos ou corto as que estão a mais
Alinho na linha a rima, a aliteração
Palavras por vezes sem porquê, sem terem qualquer razão
Mas há sempre alguém que as leia e dê sentido, lhes dê interpretação
Cidade, cidade, sou poeta da cidade
Nos bares, jantares, fujo à realidade
No meu corpo eu quero o prazer dos cigarros, dos copos, mulheres
Discutir o mundo, temas profundos até de novo o sol se erguer
Do campo, do campo, sou poeta e sou do campo
Sou da natureza, dos poemas que eu lhe canto
Já esqueci este mundo atual dos negócios e do capital
Da velocidade e quantidade e voltei ao meu estado original
Viver com mais calma por caminhos mais rurais
E encher a alma de flores e de animais
São deles que colho a minha inspiração
E ficam também dentro de mim, no fundo do coração
Então também vou ter o meu jardim todo ele escrito à mão no fim
Passado, passado, sou poeta do passado
E trago no peito a voz dos antepassados
Aprendi versos, estrofes e leis, dos meus pais ou avós, nem eu sei
Para contar de novo a este povo as lendas dos heróis e reis
Presente, presente, sou poeta do presente
Barroco e aos poucos fico louco e doente
Eu só quero ser eu e criar verso livre, verso irregular
Viver esta vida sempre livre pela terra, pelo céu e o mar
Procuro o eterno, os temas universais
O amor e a morte, os Deuses e nós mortais
Fugi deste mundo e da civilização
E vivo fechado aqui no meu lar, no ventre da solidão
Será que no tempo que vai chegar, alguém me vai ler e alguém me vai lembrar?