Diva com todas as letras, figura de carisma invulgar, juntando a traços únicos uma voz igualmente distintiva, Dalida foi um dos nomes de maior sucesso da canção popular europeia entre finais dos anos 50 e os anos 80. Intensa, a história da sua vida pessoal habitou em várias ocasiões no limiar da tragédia, criando um raro contraste entre os momentos de dor e o tom festivo e efusivo que muitas das suas canções sugeriam. Ganhou prémios, vendeu muitos discos, mas acabou por sucumbir a um episódio de depressão e suicidou-se, em 1987, com apenas 54 anos.
Iolanda Cristina Gigliotti, o seu nome real, ganhou de facto um lugar na história da canção popular. Nasceu no Cairo (Egito) em 1933, filha de uma família italiana. Aos 19 anos, quando tinha já conquistado um título de Miss Egito e iniciado uma carreira como manequim foi descoberta por Bruno Coquatrix que, desde 1954 comandava os destinos artísticos do Olympia, uma das mais célebres e seletas salas de Paris. Pouco depois conheceu outra figura que seria determinante para levar a bom porto a aposta na música que decidira levar a Paris. Era o editor Eddie Barclay, que a chamou e assinou, surgindo em 1956 um primeiro EP onde surgia Madona, uma versão de Barco Negro (internacionalizado por Amália Rodrigues, mas na verdade já de si uma abordagem, também com nova letra, a Mãe Preta, um original brasileiro de 1943).
A música portuguesa teria uma segunda presença na discografia de Dalida no alinhamento do seu álbum de estreia, Son Nom Est Dalida, igualmente lançado em 1956 numa canção com o título Fado, pela qual passam ecos, igualmente lidos pelo mesmo prisma de um certo exotismo cinematográfico, de uma ideia do fado (e sem guitarra portuguesa). A ligação a Amália (que Dalida admirava) teria ainda expressão em outros discos seus como, por exemplo, Miguel, de 1957, onde cantou Aïe ! Mourir pour toi, que Aznavour compôs para a fadista portuguesa ou, no terceiro álbum, Gondolier (1958), J’écoute chanter la brise, uma versão de Sempre que Lisboa canta.
O álbum de 1956, que se torna um sucesso pelo êxito então obtido por Bambino, sugere um sentido de encantamento por um certo exotismo mediterrânico e que explora os ambientes das canções pelas quais a voz, com sotaque evidente da cantora aborda canções de uma luminosidade aberta a influências de várias geografias culturais tanto do sul da Europa como do magrebe. Fechando os olhos, a imaginação, por estes sons, poderia facilmente levar-nos aos ambientes de um qualquer filme musical imaginário com cenário algures numa soalheira Europa do sul… Esta dimensão mediterrânica cruzaria uma obra que, entre os anos 50 e 60, sublinhou, além do francês, ligações à língua italiana, piscando o olhar a geografias gregas quando cantou Les Enfants du Pirée ou uma versão vocal da célebre “dança” criada por Mikis Theodorakis para o filme Zorba, O Grego.
Sem nunca se limitar a um único caminho na música (ou até mesmo no cinema) abriu o leque dos sons a várias frentes, e tanto gravou Milord (de Edith Piaf) como versões de Save The Last Dance For Me (dos Drifters) ou Itsy Bitsy Teenie Weenie Yellow Polkadot Bikini (originalmente cantada por Bryan Hyland). Teve um dos seus maiores sucessos em 1973 com Paroles… Paroles…, que gravou em dueto com Alain Delon. Mais adiante conheceu outra etapa de sucesso, quando se aproximou do disco sound. Toda esta luminosidade habitava porém a mesma história de vida e obra da cantora que, em 1967, depois de uma reação menos expressiva do que o esperado quando levou Ciao Amore Ciao ao festival de San Remo, viu o autor da canção, Luigi Tenco, de quem estava noiva, a tirar a própria vida seguindo-se, semanas depois, uma tentativa de suicídio da própria Dalida num hotel em Paris. Os suicídios do ex-marido em 1970, de um grande amigo em 1975 e, em 1983, de Richard Chanfray, com quem manteve um relacionamento de nove anos, acentuaram a aura trágica que cruzou a sua história de vida para além dos discos e dos palcos. Na noite de 2 para 3 de maio de 1987, recorrendo a barbitúricos, ela mesma ditou o seu ponto final, deixando uma nota na qual dizia que a vida se tornara insuportável. E terminava assim: “desculpem-me”. Trinta e cinco anos depois pode não estar tão presente no nosso quotidiano como outros músicos seus contemporâneos. Mas o biopic Dalida (2017), de Lisa Azuelos, a exposição então montada para assinalar o 30.º aniversário do seu desaparecimento, o facto de dar nome a uma praça em Paris e as mais de 50 biografias já publicadas são sinais, sobretudo em França, de que não está esquecida.
Texto de Nuno Galopim