Em conversa com Suzana Moraes, filha de Vinicius de Moraes e autora deste projeto, Edgar Canelas mostra-lhe a reedição de Arca de Noé, um disco fundamental na história da música popular brasileira.
Releitura da clássica de um dos álbuns de maior
sucesso junto do público infantil, "Arca de Noé" de 1980, de Vinícius de
Moraes, traz as maiores vozes da MPB num só álbum.
Canções gravadas por: Chico Buarque, Adriana Calcanhotto,
Zeca Pagodinho, Marisa Monte, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Erasmo
Carlos e outros grandes nomes da MPB.
O projeto "Arca de Noé 2013" que foi concebido
por Susana Moraes, filha de Vinicius, ao lado de Dé Palmeira, Adriana
Calcanhotto e Leonardo Netto tem como principal objectivo actualizar músicas
que existem há mais de 30 anos, seguindo o espírito aberto, ousado e inquieto
de Vinicius.
O resultado do projeto foi um álbum de
qualidade impecável e primorosa, com versões novas, divertidas e com os
artistas fora da zona de conforto de cada um.
A novidade deste trabalho é a faixa "O
Elefantinho", composição de Adriana Partimpim sobre poema inédito de
Vinicius. Num clima de cartoon, arranjo jazzy, uma linha de baixo mortal (de
Alberto Continentino) e com apenas um acorde, Adriana mantém o clima esperto
das músicas infantis de Vinicius. Além dessa, existem outras músicas com
arranjos tão diferentes que até parecem novas, como "As Borboletas" e "A
Cachorrinha".
E com tantas e tão ricas transformações, a "Arca
de Noé 2013" fecha-se ao som do próprio Vinicius, com Toquinho ao
violão, cantando "A Casa". Como que para lembrar que mudam os tempos,
mudam as sonoridades, mas a poesia de Vinicius para crianças, com a sua esperteza,
a sua mistura de lirismo, crueldade e invenção (na tradição da melhor
literatura infantil dos contos de fada) talvez seja eterna.
*****
A ARCA DE NOÉ
Por Hugo Sukman
"É uma querida parceira de Vinicius de Moraes, Maria Bethânia, que abre a nova Arca de Noé dizendo, de seu modo tão pessoal, os versos sobre o arco-íris que aparece para celebrar a algazarra dos bichos que vai se seguir. Outro velho parceiro, Chico Buarque (que recitava na "Arca de Noé" gravada em 1980 os mesmos versos agora ditos por Bethânia), também está presente numa faixa que faria muito gosto ao poeta: um "O pinguim" com jeito de samba antigo, amaxixado, como se fosse arranjado por Pixinguinha (o é por Paulão 7 Cordas) e cantado por Mario Reis (de um jeito cool e humorado do qual Chico, como cantor, é herdeiro). Vemos também outra amiga de Vinicius, Miúcha, ao lado de Paulo Jobim (filho de seu parceiro Tom), fazendo um "São Francisco" com letra e harmonia recuperadas da gravação original de Silvio Caldas, em 1954, sutilmente diferente da versão mais conhecida, cantada por Ney Matogrosso em 80.
Tudo o mais é novidade nesta “Arca de Noé 2013”, as famosas canções infantis de Vinicius e parceiros, recriadas por artistas da música brasileira de hoje, por ocasião do centenário do poeta.
_ A ideia básica era essa: atualizar essas músicas, que já estão aí há mais de 30 anos. Era nosso desejo que as pessoas de hoje interpretassem essas canções que fazem sucesso há tanto tempo – explica Susana Moraes, filha de Vinicius que concebeu o projeto da regravação ao lado de Dé Palmeira, Adriana Calcanhotto e Leonardo Netto. _ E era nosso desejo, também, que as novas versões seguissem o espírito aberto, ousado e inquieto de Vinicius. O resultado está aí, versões novas, divertidas, os artistas fora da zona de conforto de cada um…
As gravações, a maioria produzida por Dé Palmeira e algumas por Adriana Calcanhotto, são novas não só pelos artistas envolvidos mas sobretudo pela forma musical. Logo na faixa de abertura, a épica "A arca de Noé", a voz potente de Seu Jorge e o jeito divertido de Péricles (ex-Exaltasamba) recriam a linda melodia de Toquinho emoldurados pelo sofisticado arranjo do americano Miguel Atwood-Ferguson, maestro ligado à cena hip-hop da Califórnia, a partir do arranjo original de Rogério Duprat, mas com caminhos e harmonias novos.
A partir de uma ideia de Dé Palmeira, Caetano e Moreno Veloso transformam "O Leão", criado por Fagner, num suingadíssimo e inesperado pagode baiano. Enquanto Arnaldo Antunes faz "O Peru" com uma levada country e andina, com instrumentos como um violão tenor venezuelano e o charango.
Mart’nália, com arranjo de sopros de Dirceu Leitte, faz de "O Gato" quase uma trilha de desenho animado. Enquanto Zeca Pagodinho acha uma divisão rítmica louca, daquelas que só ele é capaz, para transformar "O Pato", originalmente uma valsa, naturalmente em compasso 3/4, num samba em compasso 2/4.
_ Fomos para o estúdio, Paulão 7 Cordas e eu, achando que era impossível transformar a valsa em samba – diz Dé Palmeira. _ Aí chegou o Zeca e mandou muito bem. Era como se o pato estivesse no meio de uma roda de samba. O objetivo em todas as faixas era esse, buscar novas formas de se fazer aquelas canções.
Foi assim que "A Corujinha", criada magnificamente por Elis Regina há mais de 30 anos de forma densa e dramática, foi transformada numa singela moda de viola por Chitãozinho & Xororó, com arranjo simples de viola caipira e sanfona, remetendo à memória da infância de Susana, quando Vinicius começou a escrever os poemas infantis, e a corujinha representava a melancolia dos fins de tarde na fazenda.
E foi assim também que "A Galinha-d’angola" assumiu sua identidade africana, com Ivete Sangalo e o Buraka Som Sistema (grupo angolano radicado em Lisboa) fazendo com que o samba-reggae da Bahia se encontre com o kuduro angolano.
Ou que Erasmo Carlos faz "O Pintinho" totalmente rock’n roll. Na verdade, ele cria duas vozes para o diálogo entre o pintinho (punk) e o velho galo (iê-iê-iê), com direito a guitarra de Dado Villa-Lobos.
Algumas gravações dialogam mais diretamente com as originais. Mariana de Moraes, por exemplo, apresenta uma gravação da marcha rancho "A Formiga", bem na tradição da canção brasileira, referindo-se à pegada de Clara Nunes. Marisa Monte também dialoga em "As Abelhas" com o clima Novos Baianos da gravação original de Moraes Moreira. Assim como a Orquestra Imperial recupera, de forma musical totalmente distinta, o clima irreverente criado por Alceu Valença para "A Foca". As três gravações fazem essa referência e, contudo, mantêm o frescor: são, como as outras, músicas inteiramente novas.
Nova mesmo é "O Elefantinho", composição de Adriana Partimpim sobre poema inédito de Vinicius. Num clima de cartoon, arranjo jazzy, uma linha de baixo mortal (de Alberto Continentino) e com apenas um acorde, Adriana mantém o clima esperto das músicas infantis de Vinicius. Já "As Borboletas" é quase nova: feita por encomenda da própria Adriana Calcanhotto e lançada no seu disco "Adriana Partimpim 2" é uma composição de Cid Campos sobre poema até então inédito, agora recriada por Gal Costa com sua banda atual e seus experimentos eletrônicos. E tão diferente que parece até nova é "A Cachorrinha", de Tom Jobim, e recriada por sua filha Maria Luiza Jobim, numa versão livre e eletrônica, à maneira do trabalho que ela vem desenvolvendo com o duo Opala.
E com tantas e tão ricas transformações, a nova "Arca" se fecha ao som do próprio Vinicius, com Toquinho ao violão, cantando "A Casa". Como que para lembrar que mudam os tempos, mudam as sonoridades, mas a poesia de Vinicius para crianças, com sua esperteza, sua mistura de lirismo, crueldade e invenção (na tradição da melhor literatura infantil dos contos de fada) talvez seja eterna. "
*****
"ARCA DE
NOÉ" tem o seguinte alinhamento:
- A Arca de Noé – Maria Bethânia, Seu Jorge e Péricles
- O Leão – Caetano Veloso e Moreno Veloso
- O Pato – Zeca Pagodinho
- O Peru – Arnaldo Antunes
- O Gato – Mart’nália
- O Pintinho – Erasmo Carlos
- A Corujinha – Chitãozinho & Xororó
- As Borboletas – Gal Costa
- A Formiga – Mariana de Moraes
- A Galinha D’Angola – Ivete Sangalo e Buraka Som Sistema
- O Pinguim – Chico Buarque
- A Cachorrinha – Maria Luiza Jobim
- O Elefantinho – Adriana Partimpim
- As Abelhas – Marisa Monte
- A Foca – Orquestra Imperial
- São Francisco – Miúcha e Paulo Jobim
- A Casa – Vinicius de Moraes