A popularidade de Françoise Hardy enquanto autora e intérprete de canções nunca se “duplicou” no mundo do cinema. Em boa verdade, ela própria não procurou tal efeito. Mais do que avançarmos com explicações deterministas para tal opção, digamos apenas que o delicado intimismo do seu canto sempre lhe bastou como forma singular de expressão.
Em todo o caso, as marcas que deixou no mundo das imagens, ainda que minimalistas, estão longe de ser banais. A começar pelo registo de um dos seus temas mais lendários, “Tous les Garçons et les Filles”, em 1962, em formato de teledisco. Teledisco? A palavra, convenhamos, só se consolida muito mais tarde, apenas adquirindo pertinência cultural e comercial com a MTV, no arranque da década de 80. Acontece que um cineasta emblemático dos anos 60 franceses, Claude Lelouch, a filmou a interpretar a canção numa curta-metragem que começou por ter um destino muito peculiar: as máquinas Scopitone — na prática, uma versão da clássica jukebox… mas também com imagem.
Françoise Hardy surgiu depois em alguns pequenos papéis. Por exemplo: na comédia burlesca “Que Há de Novo, Gatinha?” (1965), primeiro argumento de Woody Allen adaptado ao cinema, com direcção de Clive Donner, ou nesse admirável painel da juventude pré-Maio 68 que é “Masculino Feminino” (1966), de Jean-Luc Godard — neste último, surge como companheira de um oficial americano, em boa verdade numa função de simples figurante, a ponto de o seu nome nem sequer figurar nos créditos.
O caso de “Grande Prémio” (1966), com assinatura de John Frankenheimer, é esclarecedor. Apesar de a sua participação se resumir, de novo, a um pequeno papel, este retrato dos bastidores das corridas de Fórmula 1 foi a única produção realmente internacional em que Françoise Hardy participou — com distribuição da Metro Goldwyn Mayer e um elenco que incluía James Garner Eva Marie Saint e Yves Montand. Na prática, em termos de carreira, revelou-se irrelevante.
Seja como for, há nesta breve história audiovisual de Françoise Hardy um derradeiro capítulo que importa sublinhar. Chama-se “Le Large” e pertence ao alinhamento do seu último álbum, “Personne d’autre” (2018). A canção foi encenada num belíssimo teledisco com assinatura de François Ozon. Todos os seus elementos, a começar pela criança que toca num ecrã em que emerge um rosto de mulher, remetem para o clássico “Persona” (1966), de Ingmar Bergman — o que significa que a escassa relação de Françoise Hardy com a produção cinematográfica não exclui uma genuína dimensão cinéfila.