“Não voltes as costas ao amor”: para a crítica Ellen Willis, esta era a mensagem que transportava Janis Joplin. A voz que nos deu uma das versões definitivas de Piece of My Heart ou o original Mercedes Benz faria hoje 80 anos, não fosse a overdose que a colheu em 1970, aos 27. Foi a segunda num rasto de mortes prematuras com esta idade, depois de Brian Jones dos Rolling Stones e duas semanas antes de Jimi Hendrix – três membros fundadores do trágico, mítico “clube dos 27”. Isso em nada afastou Joplin daquela premissa: distribuir todo o amor que lhe era possível, numa configuração que ainda hoje é tão áspera ao toque, quanto sedosa à escuta.
Esse contraste serviu de base a um ícone que encerra todas as outras ambiguidades dos anos 60: solta entre a esperança radical e um abismo iminente, presa entre a libertação e o excesso da possibilidade. Quando ouvimos um disco seu ao vivo — como o póstumo In Concert, onde o grão da voz se junta ao pó da gravação — encontramos tudo isso. Mas tudo isso já lá estava, em 1967, na famosa cena do Monterey Pop Festival em que cantou Ball and Chain (imortalizada no documentário de D. A. Pennebaker). Foi aí que nasceu para o palco, onde a imaginaríamos para sempre.
“Anda descalça quando lhe apetece, usa [calças de ganga] nas aulas porque são mais confortáveis, e leva para todo o lado uma autoharpa, útil caso fique com uma vontade repentina de cantar. O seu nome é Janis Joplin”, anunciava o jornal universitário da sua faculdade, no estado do Texas, onde já desconcertava, pensava, agia. Troque-se a harpa pela guitarra, juntem-se à ganga umas plumas e uns óculos redondos, e temos aquela que conhecemos como uma das primeiras mulheres a singrar no panorama rock. Uma cantora que derivou inspiração dos poetas do movimento beat, por um lado. Uma cantautora que, por outro lado, se imaginou à luz do blues, das gargantas negras que o desenharam, como Bessie Smith ou Ma Rainey — nomes na coleção de discos de um amigo seu, à espera de serem encontrados.
Afastada do ambiente repressivo em que cresceu, lançou-se de mão dada aos Big Brother and the Holding Company. Essa banda equilibrou-a nos primeiros passos, reivindicando um lugar numa contracultura até então dominada por homens. A parceria resultou em Cheap Thrills, disco de 1968 gravado em estúdio, mas que apresenta o verniz de uma performance em palco. Esse e o derradeiro (e já lançado em registo póstumo) Pearl de 1971 são os objetos de maior reverência na sua curtíssima obra. É hora de nos entregarmos, de novo, ao êxtase e à derrota, a toda a gama de emoções por filtrar que Janis Joplin nos concede.