Melanie fez história quando, no verão de 1969, e ainda longe de ser reconhecida por todos, subiu ao palco na quinta em Bethel que então acolhia o Festival de Woodstock. Tinha então 18 anos acabaria por ser uma das três cantoras que ali se apresentaram a solo, traduzindo depois as experiências ali vividas em “Lay Down (Candles in the Rain)”, canção que lhe daria um primeiro episódio de sucesso maior (em 1970). Melanie Ann Safka-Schekeryk, era esse o seu nome completo, trilhou um percurso como cantautora, o que nunca a impediu de cantar as canções dos outros. Deixou-nos esta terça-feira, aos 76 anos.
Filha de uma cantora de jazz, nasceu em Nova Iorque em 1947 e, aos quatro anos, estreia-se a cantar na rádio. Em finais dos anos 60, ao mesmo tempo que estudava num curso de teatro, deu por si a passar regularmente pelos clubes de música folk em Greenwich Village, cativando atenções que lhe valeram um primeiro contrato com a Columbia Records em 1967, entrando em cena, três singles depois, uma nova ligação editorial, esta com a então muito cool Buddah Records, pela qual gravou o corpo mais marcante da sua obra, entre 1968 e 1971.
Estreou-se nos álbuns com “Born To Be”, onde junta o “Mr Tambourine Man” de Dylan e uma canção baseada num poema de A. A. Milne (o criador de Winnie The Pooh) a um lote de criações suas. O tom ainda juvenil da voz contrasta aqui com as palavras e as ideias em jogo, sugerindo que valia a pena seguir este nome com atenção. E assim foi. Já depois do impacte da atuação em Woodstock, “Affectionatly Melanie”, álbum que inclui “Beautiful People” que apresentara em palco em frente à multidão que então ajudava aquele momento a fazer história, garantiu que as expectativas eram bem fundadas, abrindo este disco caminho para a etapa mais criativa e de sucesso reconhecido de Melanie, que nos anos seguintes lança “Candles In The Rain” (1970), o disco ao vivo “Leftover Wine” (1970), as bandas sonoras de “R.P.M.” (1970) e “All The Right Man” (1971), “The Good Book” (1971), “Gather Me” (1971) e “Garden In The City” (1971), de facto, um volume invulgar de edições em tão pouco tempo, mas com uma rara capacidade para gerar vários episódios de grande adesão à sua escrita e voz já que é nesta etapa que nascem canções como “Peace Will Come (According to Plan)”, “What Have They Done to My Song Ma”, “The Nickel Song” ou “Brand New Key” (que gerou alguma controvérsia por alegadas sugestões sexuais na letra, facto que a própria Melanie então desmontou), assim como uma versão de “Ruby Tuesday” (dos Rolling Stones) que fez história.
Mudanças de rumo (temático e editorial) acompanharam o seu percurso posterior a 1972, mantendo Melanie uma atividade regular nos discos e nos palcos, embora aos poucos num patamar de comunicação mais discreto. Versões de canções suas por nomes como os de Nina Simone, os New Seekers, Dalida, Nana Mouskouri ou, mais tarde, Alison Moyet ou Morrissey, foram regularmente reabrindo janelas sobre a sua discografia, cabendo contudo a parcerias com Stephin Merritt (no álbum de 2000 do projeto The 6ths), Jarvis Cocker (que a convidou em 2007 para a edição do Meltdown Festival criada sob sua curadoria) ou Miley Cyrus que, em 2015, partilhou com a veterana uma das suas Backyard Sessions, surgindo então uma nova versão de “What Have They Done to My Song Ma”. Depois de um hiato instalado após o lançamento de “Ever Since You Never Heard of Me”, em 2010, Melanie estava agora a trabalhar num novo álbum de versões que tinha como título de trabalho . Nos últimos anos surgiram vários lançamentos de arquivo, entre os quais “Center Stage at Central Park” (2018), “Live at Woodstock” (2019) ou, mais recentemente, “Melanie Live at Drury Lane 1974” (2020).
Momentos do percurso em disco de Melanie passam pelo mais recente episódio do “Gira Discos” que escuta ainda como o seu legado tem vindo a ser recriado ao longo dos anos por sucessivas gerações de músicos. Nomes como Morrissey, Nina Simone, Alison Moyet, Mathilde Santing ou Ezra Furman juntam-se aqui para nos ajudar a reencontrar momentos de uma obra que é importante não esquecer.
Texto de Nuno Galopim
De sexta para sábado, após as notícias da meia-noite, há sempre um novo episódio de “Gira Discos” – para ouvir na emissão da Antena 1 e logo depois na RTP Play.