Editado em 1983 “The Hurting” assinalou não apenas a estreia em álbum dos Tears For Fears mas também um dos momentos mais altos de uma forma de pensar a canção pop que caracterizou alguma da produção britânica de inícios dos anos 80, conciliando os anseios de modernidade (e alguma esperança) que a chegada das electrónicas a um novo patamar de familiaridade haviam sugerido com um mapa temático dominado por angústias e tensões de vidas urbanas onde a cor muitas vezes acabava a medir forças, nem sempre vencendo, com a carga das sombras que faziam as verdades do quotidiano.
Longe de um certo escapismo que conheceu então farta visibilidade na canção pop made in UK (precisamente como rota de fuga a dias cinzentos), os Tears For Fears procuravam caminhos diferentes num espaço estético com algumas afinidades com outros seus contemporâneos. Caminhos que os levariam a aprofundar, depois de traduzir ecos do mundo ao seu redor nesse álbum de 1983, olhares interiores para, no que pode ser entendido como uma nova expressão das estratégias “primal scream” (que com o álbum de 1970 de Lennon e a Plastic Ono Band fizera escola na canção popular).
E assim, depois de “The Way We Are”, um discreto single (ainda em 1983) que deixava claro que procuravam outros olhares – sem que se tenha de facto indicado ali o caminho para um segundo álbum – encontraram após “Mothers Talk” (já em 1984) uma relação com técnicas da psicoterapia e um desejo em trazer o dentro para fora, gritando, se fosse preciso. E eis que surgiu “Shout”, definindo assim rumos que os conduziram a um álbum que instrumentalmente se afastou do predomínio partilhado com as electrónicas de “The Hurting”, ensaiando uma ideia pop sofisticada que acabaria por definir um paradigma do som em meados dos anos 80.
Com o título “Songs from the Big Chair” o segundo álbum dos Tears For Fears, editado a 25 de fevereiro de 1985, é um espaço de ensaio de ideias onde canções que conquistaram multidões partilham o alinhamento com episódios mais desafiantes. E nestes instantes mais ousados quase sugerem o que poderia ser uma ideia de prog pop (há mesmo uma suite no lado B do disco, traduzindo o seu espaço narrativo algo que lembra também a lógica do álbum conceptual).
O sucesso global de “Shout” ou “Everybody Wants to Rule the World” (hinos pop do seu tempo) ofuscou por vezes a memória de um álbum que tem na verdade momentos igualmente inesquecíveis em “Head over Heels”, “The Working Hour” ou o cenicamente elaborado “Listen”, que encerra o alinhamento. O carácter mais experimental que haviam sugerido em “The Way You Are” (single não incluído no álbum) não dominou a escrita do álbum, mas manteve abertas possibilidades que exploraram mais a fundo nos vários lados B editados na altura.
Texto de Nuno Galopim
Jorge Alexandre Dias assinalou o 40.º aniversário do single “Shout” na “Liga dos Quarentões”, rubrica das tardes da Antena 1. Ouça o episódio abaixo: