O desaparecimento de Charlie Watts, em agosto de 2021, lançou inevitavelmente dúvidas sobre o que poderia ser o futuro dos Rolling Stones. Não que houvesse um fim inevitável em vista, mas era natural que se questionasse qual poderia ser a agenda criativa do grupo agora reduzido a um trio… Ao longo do percurso da banda, já tinha havido mais episódios de perda, da saída (e, depois, trágica morte) do fundador Brian Jones na reta final dos sessentas ao adeus precoce do baixista original Bill Wymann em 1993, sem esquecer, naturalmente, a chegada e partida do guitarrista Mick Taylor, que esteve a bordo entre 1969 e 1974, da sua saída resultando a entrada em cena de Ronnie Wood, guitarrista que hoje completa, com Mick Jagger e Keith Richards, a formação, em trio, dos atuais Rolling Stones. A primeira resposta às dúvidas chegou no palco, em plena digressão de celebração dos 60 anos de atividade. com o baterista Steve Jordan (recomendado pelo próprio Chralie Watts), a manter-se firme na formação ao vivo. A segunda resposta, sobre eventuais novas canções, começou a desenhar-se quando, há algumas semanas, e num webcast a partir de Londres, revelaram não só a existência de um novo disco mas também aquele que foi o seu cartão de visita, “Angry”, talvez o melhor single de avanço para um novo álbum dos Rolling Stones desde “Start Me Up” (1981). Poucos dias depois, um dueto arrebatador com Lady Gaga, “Sweet Sounds of Heaven”, sublinhou positivamente as expectativas que “Angry” havia sugerido… E agora, para manter a “narrativa” no mesmo plano, “Hackney Diamonds” confirma que o que aquelas duas canções tinham mostrado, se manifesta na totalidade daquele que é talvez o mais sólido alinhamento de um álbum dos Rolling Stones em mais de 40 anos.
Este é o primeiro álbum de estúdio dos Rolling Stones desde 2016 (quando lançaram o disco de versões “Blue and Lonesome”) e o primeiro essencialmente feito com originais que apresentam em 18 anos, já que o anterior “A Bigger Bang” data do ano 2005. Pelo caminho não houve um plano de férias. E nem só do palco viveram já que, mesmo sem terem entretanto apresentado originais na forma de álbuns, nestes 18 anos de hiato lançaram três singles novos: “Doom and Gloom” (2012) e “One More Shot” (2013) incluídos no ‘best of’ “GRRR!” e, depois, “Living in a Ghost Town” (2020), lançado em plena pandemia, acompanhado por um vídeo que nos mostrava nada antes visto e que foi o nosso quotidiano a dada altura: cidades com ruas vazias. A ideia para criar um novo álbum começou a ganhar forma em sessões em 2019 (por alturas de primeiras etapas da gravação de “Living in a Ghost Town”) nas quais ainda participou Charlie Watts, o que lhe garantiu a presença em “Hackney Diamonds”, onde o escutamos em “Mess It Up” e “Live By The Sword”, nesta última canção tendo também colaborado o antigo baixista Bill Wymann, o que assinala assim a reunião da secção rítmica original do grupo e, também, o reencontro da formação clássica que conhecemos entre 1974 e 1993. Estes são apenas dois entre os convidados de um álbum que, além de Lady Gaga, também chamou a colaboração de Stevie Wonder (nas teclas) em “Sweet Sounds of Heaven”, a de Elton John (ao piano) a “Get Close” e “Live By The Sword” e a de Paul McCartney, que levou o seu baixo ao momento de alma punk em “Bite My Head Off”, canção que assim assinala um reencontro dos Stones com a família Beatles, 60 anos depois de “I Wanna Be Your Man” (foi o segundo 45 rotações dos Rolling Stones e era, na verdade, uma canção de Lennon e McCartney que os próprios fab four gravariam no seu segundo álbum).
O disco, com um título que traduz uma expressão do calão londrino que refere a ideia de vidros estilhaçados, está longe de ser uma proposta de revolução (nem ninguém, convenhamos, o esperaria). É, contudo, o mais sólido conjunto de canções que o grupo edita em longos anos, mostrando um alinhamento que começou por procurar traduzir o mood sugerido pelo single “Angry” mas acabou por seguir caminhos de maior diversidade, de certa forma espelhando um mapa da identidade clássica dos próprios Rolling Stones, juntando ao dominante músculo rock’n’roll (inevitavelmente com riffs contagiantes) alguns pontos de fuga que envolvem baladas (“Sweet Sounds of Heaven” ou “Depending on You”), paisagens Country (em “Deram Skies”), fechando o alinhamento, como quem diz “missão cumprida”, ao som de um reencontro com Muddy Waters numa versão de “Rolling Stone Blues”, supostamente a canção que motivou o nome de batismo da banda. E vale a pena lembrar que foram os discos de Muddy Waters e Chuck Berry que Mick Jagger levava debaixo do braço que chamaram a atenção de Keith Richards no dia em que se conheceram, em 1961, na plataforma de uma estação ferroviária em Dartford.
Sob a condução da produção, não apenas pelos Glimmer Twins (ou seja, Jagger e Richards), mas também por Don Was e o signitivamente mais jovem Andrew Watt, “Hackney Diamonds” transporta toda uma carga de memórias e referências para um presente que não quer ser feito de nostalgia (nem mesmo sugerir uma elegia em memória de um amigo desaparecido), mas que prefere antes celebrar, de forma viva, o presente. Esperam-se agora cenas dos próximos capítulos não só em palco (e o álbum está claramente talhado para poder conhecer vida na estrada) mas num eventual segundo momento de revelação de novidades já que nas sessões de trabalho entre dezembro de 2022 e fevereiro de 2023 surgiram 23 canções… Ou seja, há onze ainda na gaveta…
Texto de Nuno Galopim
No mais recente episódio de “Duas ou Três Coisas”, João Lopes e Nuno Galopim falam sobre o novo álbum dos Rolling Stones e apresentam alguns dos momentos do alinhamento de “Hackney Diamonds”.