A dimensão histórica de Napoleão Bonaparte não corresponde curiosamente ao panteão das grandes figuras da história mais vezes retratadas pelo cinema. Mesmo assim, quando o militar de origem corsa que se fez coroar imperador dos franceses teve o seu caminho apontado ao grande ecrã, fez história.
Foi assim quando, em 1927, Abel Gance criou, em “Napoleão”, um dos mais importantes épicos históricos dos tempos do cinema mudo. Com outro desfecho, Stanley Kubrick teve Napoleão na mira da sua câmara depois de “2001: Odisseia no Espaço”, tendo então projetado um filme para o qual desenvolveu praticamente tudo o que se espera em tempo de pré-produção mas que depois acabou por nunca concretizar.
O cidadão Bonaparte volta a gerar um caso na história do cinema agora, com a chegada às salas de um biopic realizado por Ridley Scott e para o qual chamou, para os papéis de Napoleão e Josefina, respetivamente Joaquin Phoenix (que o mesmo realizador já chamara para vestir a pele de um outro imperador em “Gladiador”) e Vanessa Kirby.
“Napoleão”, que recria fragmentos de várias etapas da vida do estadista, recuando aos dias do terror durante a Revolução Francesa, passando depois pelos tempos do Diretório, a campanha no Egito, o golpe de estado que abriu caminho ao Consulado, a coroação como imperador, grandes batalhas (de Austerlitz à campanha da Rússia), o primeiro exílio na Ilha de Elba, o governo dos 100 Dias, a derrota em Waterloo e o exílio em Santa Helena… Cruzando o percurso militar e político com uma dimensão pessoal, focada sobretudo no relacionamento entre o imperador e Josefina.
O filme é o ponto de partida para a emissão desta semana de “Duas ou Três Coisas”, olhando primeiro para as representações de Napoleão no cinema, observando depois biopics de autores diferentes sobre estadistas como Abraham Lincoln (por John Ford ou Steven Spielberg), Adolf Hitler (por Oliver Hirschbiegel e Hans-Jürgen Syberberg) ou Luís II da Baviera (uma vez mais por Syberberg mas também por Visconti), notando depois como realizadores dedicaram vários títulos a figuras históricas, nomeadamente Oliver Stone (Nixon, John F. Kennedy ou George W. Bush) e Joseph Mankiewicz (Júlio César e Cleópatra).
Mais adiante o programa aborda filmes que observa, através de pontos de vista distintos, os tempos da Revolução Francesa. “A Marselha” (1938), de Jean Renoir, procurando um retrato amplo sobre os acontecimentos, “A Inglesa e o Duque” (2001) de Éric Rohmer, que observa o ponto de vista da aristocracia e nobreza e ainda “Adeus, Minha Rainha” (2012), de Benoît Jacquot, que não só nota a lentidão como a informação fluía naqueles tempos mas, já que centrado em Versalhes, acompanha o modo como a notícia de uma grande revolta em Paris (a 14 de julho de 1789) vai chegando às várias comunidades que habitam o palácio, dos elementos da corte aos criados.
Texto de Nuno Galopim
“Duas ou Três Coisas”, de João Lopes e Nuno Galopim, passa todas as sextas-feiras, depois das notícias das 23h, na Antena 1. Disponível na RTP Play