Geograficamente situado entre dois gigantes da música americana, em concreto o Brasil e a Argentina, o Uruguai por vezes surge com uma posição secundarizada ou até mesmo omissa em alguns dicionários sobre as músicas do mundo como, por exemplo, é o caso do reconhecido volume sobre a “World Music” lançado pela série Rough Guide, que refere apenas a música deste país sul-americano numa entrada sobre a “nova canção” latino-americana. A referência aponta justamente a Daniel Viglietti, um dos maiores cantautores uruguaios, e uma das figuras maiores desta expressão local de formas musicais que tiveram, sobretudo nos anos 60 e 70, uma presença em diversos outros países latino-americanos, de Cuba ao Chile, vincando muitas vezes um olhar sobre político que associou vários destes autores à história da canção de intervenção. Alfredo Zitarossa e o duo Los Olimareños são outros mais a juntar à contribuição do Uruguai para esta história comum.
Antes da “nova canção” já a música popular uruguaia mostrava ecos de partilha com outras músicas sul-americanas, sobretudo as de origem argentina. Há de resto toda uma história comum que cruza os universos do tango, da milonga, colocando Montevideu num mapa de acontecimentos que assim não se esgota na não muito distante Buenos Aires. Um exemplo desta proximidade pode ser apontado na muito célebre La Cumparsita, que depois correu mundo na interpretação do argentino Carlos Gardel, que na verdade é uma composição do uruguaio Gerardo Matos Rodriguez. Da grande árvore do tango nasceram e cresceram inúmeros artistas, muitos deles com carreiras que transcendem as fronteiras do Uruguai.
Apesar da sua presença em outros territórios, como a Argentina, o Paraguai ou o Brasil, o candombe é uma descendência direta das comunidades de origem africana e está na base de um dos mais importantes fenómenos de música tradicional local. Assente, na sua origem, em diálogos entre três instrumentos de percussão (o chico, o repique e o piano), com presença em momentos ora do foro religioso ora festivo, o candombe (que está reconhecido pela UNESCO como património imaterial, tal e qual o fado ou o cante alentejano) foi cruzando depois os tempos e dialogando com outros géneros musicais, envolvendo nomes de relevo como Eduardo Mateo ou Rúben Rada e, mais tarde, Jaime Roos, uma referência na descendência que ganhou a designação de candombe beat. Todo este universo de raízes e transformações surge ainda como uma das várias fontes de inspiração de Jorge Drexler, talvez o mais conhecido entre nós da atual geração de músicos do Uruguai.
Outro caso de partilha com geografias culturais latino-americanas é o da cumbia, cujas variações pop contemporâneas, dominadas por eletrónicas e vocacionadas para as pistas de dança, representam alguns dos fenómenos de maior popularidade no presente, através de nomes das mais novas gerações como os Rombai, Márama ou TocoParaVos.
Um olhar breve pela música do Uruguai não pode deixar de notar representações locais das contaminações do rock. E aqui tanto podemos recuar a pioneiros que, nos anos 60, experimentavam formas diferentes de assimilar formas e sons que chegavam dos eixos anglo-americanos, com nomes como os Los Shakers, Los Mockers ou Los Malditos. Ou notar a criatividade das expressões indie rock uruguaias, através de bandas com os Sante Les Amis ou Goodfellas. Há também entre o mapa musical uruguaio do presente uma importante família de artistas na área do hip hop. La Teja Pride são, neste último espaço, um exemplo a descobrir.
Texto de Nuno Galopim