Há prefixos tão categóricos que não admitem um sufixo de refluxo, se posso dizer assim.
Trata-se de morfemas sem aparente recuo, pois empurram as palavras e as ideias que estas transportam para um beco sem saída. Aí chegados, é o cabo dos trabalhos.
Todos nos lembramos da palavra irrevogável, a breve trecho revogada. O actual folhetim da coisa pública lançou, entretanto, para as tituleiras e para o colóquio avulso a palavra irrecusável. Ela transporta uma ambição impositiva e uma autocomplacência que correm o risco de esbarrar, como esbarraram, num “chumbo” do FMI, fundamentado na necessidade de “uma política fiscal prudente” e sensível à noção de “equidade”.
O processo que conduz, em democracia, a uma decisão livre e informada, supõe e acautela o direito à recusa. A permissividade do discurso corrente ao jargão mais resvaladiço pode permitir, até provocar, embaraços no debate e dúvidas de credibilidade.
Ao escutar, nestes dias, a repetida presunção de irrecusabilidade de matérias para as quais o relatório do FMI recomenda uma cuidadosa calibragem, ocorreu-me um exercício que não apenas me desenredasse da camisa de sete varas do discurso político ensimesmado em pífios braços de ferro, mas validasse na palavra uma estimável possibilidade de sentido.
E logo me veio à lembrança o formidável registo de uma funda memória de infância de Sophia, no arranque de um texto do III volume da Arte Poética: “A coisa mais antiga de que me lembro é dum quarto em frente do mar dentro do qual estava, poisada em cima de uma mesa, uma maçã enorme e vermelha. Do brilho do mar e do vermelho da maçã erguia-se uma felicidade irrecusável, nua e inteira”.
Irrecusáveis são os momentos fundadores. Irrecusável é a maçã enorme e vermelha sobre a mesa.