1.
O André Osório é um poeta.
Já tem nas livrarias o seu segundo livro – “Sala de Operações”. Sexta-feira, na FNAC do Chiado, António Carlos Cortez fará a apresentação e o grande Ruy de Carvalho lerá alguns poemas.
O André é o meu filho mais velho.
Tem 25 anos.
Está a fazer o doutoramento, foi semifinalista do Prémio Oceanos, o mais jovem a consegui-lo, ganhou a difícil bolsa de criação literária da DGLAB, do Ministério da Cultura.
2.
Em que momento é que envelheci?
Em que instante me tornei pai de um adulto?
Repara, eu leio o meu filho e não o conheço.
Cada palavra, cada verso, cada ideia é uma surpresa absoluta. Como se fosse um outro e já não me pertencesse…
… é um outro e já não me pertence.
Em que momento é que a vida começou a andar mais rapidamente?
Em que instante deixei de ter mão nela?
Leio o “Sala de Operações” e sinto-me exposto. Não por estar ali, mas por não estar ali… estando.
Não consigo explicar isto melhor.
3.
É que…
sabes…
O André dizia em criança que só queria ser uma coisa, que mais nada lhe interessava. Lançador de piões, imagina.
Na escola estava muitas vezes calado.
Depois continuou a estar calado, mas agora sabíamos que tinha um mundo a correr-lhe no silêncio.
Que ouvia vozes de personagens e poemas vivos antes de nascerem.
O André que me viu pelas costas quando saí de casa. Tinha cinco anos, talvez ligeiramente mais.
Ainda não sabia ler quando me divorciei da sua mãe.
E quando percebi, quando dei conta, ele já lia e contava. E um dia perguntou-me: “Pai, queres ler um poema que escrevi?”.
4.
Quero André, quero ler o teu poema.
E quero que escrevas livros, que tenhas muitos leitores, que ganhes prémios e tenhas uma voz, que sejas feliz mesmo que tal não seja possível, porque a felicidade não é possível para um poeta ou criador…
… só não me peças para te ver como um adulto.
Tu és o meu menino, se fechar os olhos vejo-te no fundo do sofá a abrir a boca enquanto te dou um iogurte.
Como é que isto passou tão depressa?
E como foste capaz de escrever isto que o Ruy de Carvalho lerá amanhã bem melhor do que eu?
“Escrever é
parar o tempo, a escrita;
pô-la de lado, como um livro usado
em que, no entanto, nos usamos.
Incrível: o mesmo se procura
numa nuvem. Na fotografia
de uma viagem, imobilidade
de uma vida. Observamos,
atentamente.
Uma atravessou a aresta,
adormecida algures
neste telhado que me protege da chuva.
A ausência é uma coisa complicada de compreender:
ela avança”
Texto e programa de Luís Osório
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