1.
António Damásio tem sido muito bem tratado por Portugal.
Licenciou-se na Faculdade de Medicina de Lisboa.
Doutorou-se também em Portugal e saiu depois para os Estados Unidos onde construiu grande parte da sua carreira de investigador numa das áreas mais valorizadas da ciência, o conhecimento do cérebro.
Escreveu um livro que o tornou consensual em Portugal. “O Erro de Descartes” tornou a razão e a emoção conceitos falados e discutidos por gregos e troianos.
2.
António Damásio fala desapaixonadamente sobre Portugal.
Define-se até, em algumas dimensões, como mais americano do que português.
São míticas e muito comentadas as suas exigências para aceitar ser palestrante em iniciativas organizadas em Portugal por fundações, empresas e até em convites públicos – e nada contra isso.
Normalmente há um acanhamento dos portugueses em exigir bom dinheiro, hotéis de luxo e motorista à disposição, é bom e justo saber que António Damásio se faz pagar por quem o deseja ouvir.
3.
Fiquei curioso e agradado quando soube que o neurocientista aceitara o convite de Marcelo Rebelo de Sousa para substituir António Guterres no Conselho de Estado.
Elogiei o Presidente da República pela escolha, finalmente o Conselho de Estado abria-se para a sociedade civil e para um dos nossos melhores.
Mas foi uma vergonha a passagem de António Damásio pelo Conselho de Estado.
Uma vergonha, um despudor e uma falta de respeito pelo Presidente da República e pelo país onde nasceu, onde se formou e onde goza de uma reputação que não tem paralelo em nenhum outro país, inclusive os Estados Unidos que glorifica.
4.
Chegariam metade dos dedos de uma só mão para contar as vezes em que Damásio esteve presente fisicamente nos sete anos que pertenceu ao Conselho de Estado.
Vive nos Estados Unidos, dir-me-ás.
Muito bem, mas o cientista vem regularmente a Portugal quando aceita convites – ao dizer que sim a Marcelo para pertencer ao órgão consultivo mais importante do Presidente da República, teria de saber honrar a responsabilidade.
Infelizmente não foi isso que aconteceu.
Numas vezes entrou por Zoom.
Noutras nem isso.
E nunca entregou ao Tribunal Constitucional a declaração obrigatória de rendimentos e património.
Em sete anos nunca o fez justificando que os seus rendimentos são matéria da sua intimidade.
António Damásio saiu do Conselho do Estado. E Marcelo substituiu-o, e muito bem, pela excelente Joana Carneiro.
Mas é uma tristeza observarmos a arrogância e a soberba de alguém se achar superior a tudo e a todos. Alguém que critica a classe política, a urgência de transparência e o materialismo da sociedade é depois o primeiro a virar as costas ao que proclama.
Somos um bocadinho provincianos no nosso modo de amar.
Tratamos bem, colocamos nos píncaros os que se distinguem lá fora, como há 500 anos glorificávamos os estrangeirados.
António Damásio não quer saber de Portugal.
E está no seu direito.
Não venha é com lições de altivez e superioridade intelectual como se fosse a Santinha da Ladeira de uma suposta elite que se sente e vive à margem as regras.
Para mim elite é uma outra coisa.
Texto e programa de Luís Osório
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