1.
Pedro Chagas Freitas é gozado pelas elites.
Menosprezado pelos que fazem opinião, pelos influentes.
Não é convidado para estar nos principais encontros de escritores, não o desafiam a sentar-se na mesma mesa dos que realmente contam e ninguém o interpela para dar opiniões sobre o país, sobre literatura, sobre arte, sobre porra nenhuma.
Os que lhe compram os livros são tidos por maus leitores, analfabetos funcionais, símbolos vivos de uma sociedade vazia, estúpida e culturalmente indigente.
2.
Estive com ele uma única vez, em Coimbra, num encontro organizado pelo Miguel Júdice na Quinta das Lágrimas.
Achei-o inteligente e esperto, as duas coisas ao mesmo tempo.
Li um livro e folheei os outros, dá ao mundo o que acredita que o mundo quer, que as pessoas desejam – o que faz e escreve interessa-me pouco ou nada, mas reconheço e admiro a sua capacidade para vender livros e ocupar um espaço – outros o tentam, mas ele é um dos mais eficazes e isto não é para quem quer, mas para quem consegue.
3.
Pedro Chegas Freitas tem o filho muito doente.
Chama-se Benjamim e foi diagnosticado com uma doença rara.
Os apelos sucederam-se para se encontrar o fígado de um dador vivo. Alguém que se chegasse à frente e ajudasse a salvar uma criança que, como todas elas, se acha imortal.
O Pedro e a Bárbara, sua mulher e mãe de Benjamim, desdobraram-se em tentativas de encontro com a esperança, escreveram textos nas redes sociais, falaram do menino, das ideias na sua cabeça, no medo implícito, na profunda injustiça.
Muitos e muitas disponibilizaram-se para ajudar e Benjamim foi transplantado no passado fim-de-semana.
Antes do transplante o Benjamim não se mexia, mas dentro da sua cabeça é como se nada fosse. Continuou sempre a falar do que não fez, do que não viveu, de tudo o que deseja fazer quando sair do hospital.
4.
Pedro Chagas Freitas não existe para as elites e os escritores a sério.
E ainda por cima aparece com uma história destas, real, afetiva, que provoca as lágrimas e as emoções.
Se nada gostavam, agora ainda gostam menos.
Não há nada que irrite mais as elites do que as emoções, as histórias de carochinha e a perversidade de agitar as pessoas com uma intimidade que não deveria sair das quatro paredes.
É por isso que escrevi este postal.
Para dizer ao Pedro Chagas Freitas que não há vergonha quando se escreve com as lágrimas nos olhos. Que a sua história é também a nossa, que este é o seu melhor livro, que a vida é muito mais brutal do que um papel em branco.
Não quero perder a capacidade de me emocionar.
E ainda menos quero perder a capacidade de me colocar no lugar do outro.
Espero que o Benjamim possa ganhar a batalha pela vida e que o Pedro possa conquistar a guerra contra o cinismo destes verdadeiros amputados de alma.
Gente que carrega bibliotecas sem saber nada da vida real.
Texto e programa de Luís Osório
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