1.
Este ano será o do Europeu de Futebol.
O eterno Cristiano Ronaldo lá estará e a nossa seleção é forte e pode fazer-nos perder as estribeiras de esperança. Somos excelentes nisso.
E o curioso é que ganhámos quando havia pouca esperança que o conseguíssemos.
Em 2016, com Fernando Santos e a sua santinha no banco, e depois de três empates, quem apostaria na nossa vitória?
Poucos, certamente que muito poucos.
2.
E quem arriscaria que a vitória saísse dos pés de Eder?
Um menino nascido na Guiné, filho da mais profunda miséria, uma criança que andou em bolandas de instituição para instituição, que fez da bola a sua companheira de fuga e alegria, a única que encontrou até se fazer crescido.
Gritámos o seu golo contra a França.
Recordo bem do pontapé na mobília, dos meus filhos a saltar de felicidade, da vontade de rir por ter sido o Eder a marcar – como era possível?
E eu nem sabia da metade, só há uns dias é que me contaram do nosso herói.
3.
Um menino abandonado num lar de acolhimento aos cinco anos.
Abandonado pela mãe e pelo pai e nem ele sabe os motivos – talvez por não terem dinheiro, talvez por se terem separado, talvez por uma criança poder ser um peso.
Eder chegou a achar que tinha a culpa.
Que talvez chorasse demasiado, que fizesse birras ou outra coisa qualquer que esperou na adolescência que eles um dia pudessem contar.
Não contaram.
Aos 12 anos soube que o pai matara a madrasta em Inglaterra. Asfixiou-a por ciúmes e despeito.
Filomeno viu o pontapé do seu filho Eder dentro de uma prisão perto de Londres.
Não sei se gritou como eu ou tu.
Não sei se lhe passou algum arrependimento pela cabeça, espero que sim.
Mas sei que se conhecesse a história do Eder não teria ficado surpreendido com aquele pontapé, o mais importante golo da história do futebol português.
O golo de um menino de sorriso aberto que foi abandonado aos 5 anos na Obra do Frei Gil.
O golo de um menino que na adolescência recebia costeletas do talho por cada golo que marcava.
O golo de um menino que nunca foi tapado por uma mãe ou por um pai em nenhuma noite fria. Que nunca foi amparado nos sarampos de criança, nas febres altas, nos pesadelos.
Se eu soubesse a história do Eder antes de ele ter marcado o golo das nossas vidas, teria rezado nessa noite para agradecer não a vitória de Portugal, mas a de todos os que acreditam que a vida brinca connosco como se fossemos pecinhas de um jogo de sorte e azar.
Texto e programa de Luís Osório
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