1.
O IPO de Lisboa fez 100 anos e continua a não ser um lugar agradável.
Difícil explicar o que sinto quando lá passo – por mais obras que se façam na Praça de Espanha, por mais árvores que cresçam, por mais pinturas e renovações, há um cisma que permanece, um cinzento que amedronta e deprime.
Há pessoas que se salvam todos os dias, bastante mais os que sobrevivem do que aqueles que não resistem, mas ainda assim num hospital oncológico há uma energia que parece não ser daqui.
2.
A Ana foi lá médica durante um período.
E eu levei o Afonso para almoçarmos os três num dos muitos restaurantes às portas do IPO.
Tinha não mais do que dois anos e meio e estava “murchinho”, talvez com um pouco de febre.
Era Inverno e tinha um gorro de lã.
Quando entrámos no restaurante estranhei a forma como nos trataram, a Ana explicou-me:
“Acham que o Afonso está doente”.
3.
Foi um choque que me deixou sem ponta de sangue.
E a coisa antes de melhorar, piorou.
Uma senhora saiu do balcão com chupas e chocolates.
“Tão bonito o seu menino. Posso oferecer-lhe um chocolatinho e um chupa”.
A Ana falou com a simpática mulher.
Desfez o equívoco e voltámos à normalidade.
4.
Na história do cancro, na história dos que combatem ou combateram a terrível doença, não se fala do peso dos lugares à volta dos hospitais em Lisboa, no Porto, em Coimbra.
Dos restaurantes.
Dos cafés.
Dos lugares onde se vendem jornais.
Da loja de flores.
Da funerária.
Lugares que vendem refeições, bebidas, rosas, pastilhas e talhões a homens e mulheres que hoje estão e amanhã podem não estar e a crianças que aparecem com gorros no Inverno como o meu príncipe Afonso que foi olhado como se estivesse aqui de passagem.
Por breves segundos compreendi o peso de ser pai ou mãe de uma criança gravemente doente.
E isso foi esmagador.
Texto e programa de Luís Osório
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