1.
Em vésperas de eleições legislativas, e em vésperas da comemoração dos 50 anos do 25 de Abril, nunca pensei poder escrever este postal.
Talvez tenhas a tentação de rir, mas confesso que este é dos postais mais tristes desde que os escrevo.
Quando vi as imagens daqueles jovens adultos, concorrentes do Big Brother, a falar sobre dinossauros, Holocausto e o Big Ben, pensei que não podia ser verdade – pensei que era o resultado de uma prova qualquer desenhada por um guionista da produção.
Não era uma prova, mas sim uma conversa solta, um momento de confraternização entre concorrentes, uma pausa intelectual entre a exibição dos abdominais, as provas físicas, os engates e a exaltação da bufaria.
2.
Aquela conversa era uma pausa, uma troca de impressões.
“Eu não acredito que os dinossauros existiram. Então porque raio deixaram de existir?”, perguntou um.
“Então foi por causa daquilo do Holocausto”, respondeu outro.
“Foi por causa do Big Ben”, acrescentou.
O mais grave não foi isso, o mais grave foi o modo como estavam a falar uns com os outros. Como ofereciam àquelas palavras a certeza absoluta daquilo que estavam a dizer, sem qualquer noção de que cada palavra que vomitavam era a prova da sua profunda ignorância.
3.
E mais grave são outras duas coisas.
Em primeiro lugar, a audiência deste programa.
Cerca de um milhão de pessoas vê todos os dias o que se passa naquela casa.
Repito: um milhão de portugueses, um em cada dez, vê aqueles seres humanos e ouve-os falar durante uma parte substancial do seu descanso.
Porquê, pergunto-me mil vezes.
Porquê?
Por serem pessoas parecidas com as pessoas que ali estão?
Por se identificarem?
Por desejarem ser como eles?
4.
Por isso este postal é muito triste.
Por ser sobre uma geração que esteve na escola muito mais anos do que as gerações anteriores. E por ser sobre um país que, entre mil hipóteses, prefere ver o que dizem, o que pensam, o que são.
O que andaram todos a fazer na escola?
O que é a nossa escola?
Como é possível que alguém possa dizer estas enormidades e, ainda por cima, dizê-las orgulhosamente, sem medos, sem pudores, absolutamente convencidos que sabem, que são inteligentes, bonitos, os maiores da selva?
Como continuar a acreditar que estamos todos no mesmo barco?
Ou serei eu que estou a mais?
Ou tu que lês livros e gostas de Woody Allen, que pensas sobre o liberalismo e o marxismo, Deus e a Divina Comédia, a origem do Universo e o conflito na Palestina.
Que lês jornais.
Que sabes explicar a razão de ser de esquerda ou de direita ou moderado ou ativista de um qualquer combate necessário.
Que exiges estar informado ou informada.
Que te preocupas com o populismo e o fim do mundo.
Que te inquietas com o futuro dos teus filhos e a amoralidade.
O problema talvez seja esse.
Somos nós que estamos a mais e não o percebemos.
Voltemos para as catacumbas.
Preparemos os mantimentos.
E leva livros para a troca.
Texto e programa de Luís Osório
Ouça o “Postal do Dia” na Antena 1, de segunda a sexta-feira, pelas 18h50. Disponível posteriormente em Spotify, Apple Podcasts, Google Podcasts e RTP Play.