1.
Há dias em que a dor é insuportável.
Parece que cada músculo, que cada bocadinho de nós tenta provar que está vivo, que tem inteligência própria e um objetivo claro: o de desistirmos perante as agulhas imaginárias que nos testam todos os dias os limites.
A Carla Augusto tem uma vida.
Escreve, lê, trabalha.
E tem fibromialgia.
Está cansada das dores, desesperada em muitas noites por não conseguir dormir, desesperada em muitas manhãs por não se conseguir levantar.
Cansada de estar cansada.
E cansada de ser olhada como se tivesse um problema que se resolveria facilmente se ela quisesse, um problema que é certamente empolado, talvez o problema até seja dela, talvez seja a Carla, e tantas outras como ela, que arranjam desculpas, que não querem trabalhar, que são preguiçosas ou outras coisas piores.
2.
Há milhares de portugueses, sobretudo portuguesas, diagnosticadas com esta doença.
E quero aproveitar o que me contou a Carla Augusto para falar sobre as doenças que nos fazem tombar, as doenças autoimunes – a artrite reumatoide, o lúpus, a psoríase, a doença de Crohn.
Tantos de nós, tantas de nós, a querer e a não poder.
Com as articulações numa ferida sem ferida, com os dedos a enrodilharem-se, com as dores a crescer tanto como a necessidade de drogas que controlam umas coisas e rebentam com outras, o corpo a ficar inchado, a autoestima a cair.
3.
Quero falar-te da dor.
Da terrível dor que não convence os outros. Que faz com que os sonhos profissionais se desvaneçam, que convoca a tristeza e a depressão.
A fibromialgia da Carla Augusto.
Que não se vê, mas está lá.
Que provoca vergonha porque o corpo não obedece, que provoca solidão porque se sabe que não tem cura, que é para sempre, que como ela escreveu num poema que me enviou “é o querer vencer sabendo que vamos perder”.
4.
O que dizer mais?
Que a dor pode ser domesticada, talvez até mais do que a dor da incompreensão dos outros.
Também a incompreensão dos que estão connosco.
Da família, dos filhos, de quem adormece ao nosso lado.
Mas isto tem de fazer algum sentido.
Não sabemos bem qual, mas isto tem de fazer algum sentido porque de outro modo é demasiado injusto.
Texto e programa de Luís Osório
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