Há em Portugal 500 mil pessoas em situação de pobreza severa, recorda a presidente da Cáritas Portuguesa, para defender a necessidade de rever as prestações sociais existentes, de modo a dar mais eficácia ao combate à pobreza. Em entrevista ao programa “7 Margens”, da Antena 1, Rita Valadas dá o exemplo de duas delas: o Rendimento Social de Inserção (RSI), “criado com o objectivo de fazer inserção”, mas que, com a evolução dos problemas sociais, passou a ser essencialmente uma forma de dar dinheiro para minorar a pobreza dos seus beneficiários; e o abono de família, que era universal e deixou de o ser: “Passou a ser mais um recurso para afastar as pessoas da pobreza.”
Qualquer prestação social era indispensável no momento em que foi criada, diz a presidente da Cáritas. Mas agora é importante olhar para a razão que levou à sua criação e ver se ainda se justifica tal qual. “Se olharmos para estas prestações e as utilizarmos de forma conjunta conforme o problema, talvez seja mais fácil” combater o fenómeno da pobreza, diz a responsável da instituição católica. “As estratégias são muito importantes para saber qual é o caminho que nós devemos seguir; mas a leitura da pobreza e a resolução dos problemas da pobreza têm de ser feitos na proximidade”, acrescenta ainda. E essa revisão deve ser feita tendo em conta também as diferentes realidades do país, “de acordo com os tesouros dos territórios e as condições das pessoas”.
Rita Valadas considera que a chave da solução do problema da pobreza é o rendimento: “Ninguém pensava que uma pessoa que trabalha era pobre. Aliás, até era um contrassenso dizer uma coisa dessas; se uma pessoa que trabalha é pobre, é porque não sabe gerir os seus recursos, mas é evidente que não é isso.” Esta situação, acrescenta, “é tanto mais grave que, enquanto as pessoas achavam que trabalhar afastava a família da pobreza tinham um argumento para procurar trabalho; o desalento que dá trabalhar e não conseguir sustentar a família e não tirá-la da pobreza começa a criar outros problemas de desesperança.”
Na entrevista, que passa na íntegra depois da meia-noite desta sexta-feira na Antena 1, Rita Valadas fala também do grande aumento de pessoas, sobretudo imigrantes, que acorrem aos serviços das 20 Cáritas diocesanas de todo o país a pedir ajuda: “Até há muito pouco tempo era uma realidade das grandes cidades, neste momento está espalhada por todo o território e chegam à Cáritas local; há mais pessoas a chegar e chegam mais próximo. E isto fez soar um alarme”, afirma.
“Esta população chega cada vez mais vulnerável”, diz, e “a Cáritas não tem recursos para essa missão, está a chegar ao fim da sua capacidade”, avisa, repetindo o que foi dito em comunicado, domingo passado, na sequência da reunião do Conselho Geral da instituição católica. “Nuns territórios chegam essencialmente brasileiros, mas estão a chegar do Paquistão, da Índia, do Nepal, do Bangladesh, dos países de língua oficial portuguesa”, descreve. “Estamos a ser confrontados com uma realidade muito complexa, muito ainda por caracterizar e com indefinição total dos recursos existentes para esta situação.”
As pessoas acorem à Cáritas “em situação de emergência” e em “grande aflição” e recorrem à Cáritas “pelo mais básico dos básicos: não têm que comer, vêm de países quentes e não têm roupa; quando falamos de emergência é todo o contínuo de necessidades que as pessoas trazem”. As realidades de origem são diferenciadas: há pessoas “que vêm já especificamente na busca de um projecto de trabalho – por exemplo, as que vêm trabalhar na agricultura; “mas cada vez mais chegam ainda com um projecto indefinido, o que torna ainda mais difícil o primeiro passo”.
Para tentar dar resposta imediata a esta situação, foi constituída “uma comunidade prática para este tema”, que inclui 13 Cáritas diocesanas e que vai “tentar fazer uma caracterização das necessidades e dos recursos para ter uma leitura mais fina das pessoas” que se confrontam com essas dificuldades.
Rita Valadas espera a constituição do próximo Governo para partilhar “de forma construtiva aquilo” que neste momento aflige a instituição, mas insiste na definição de uma estratégia clara para estas áreas: “Aquilo que mais me preocupa é a definição de uma estratégia e dos recursos para essa estratégia.”, afirma. “Há muitas instituições a trabalhar e preocupadas com este tema – não é só a Cáritas; e se não houver orientações alinhadas, o que certamente vai acontecer é que vamos estar todos a gastar recursos que podíamos juntar em fez de dispersar.”