Os músicos e grupos sabem bem o quão complicado é editar um novo trabalho discográfico depois de terem alcançado um enorme sucesso com o disco anterior. No caso dos Trovante, isso aconteceu ao terceiro álbum, Baile no Bosque, que agradou quase literalmente a gregos e troianos. Mas nem eles nem a sua nova editora, a Valentim de Carvalho, podiam adormecer em cima desse êxito. Entre o final do ano de 1982 e os primeiros dias de 1983, é assim produzido o que viria a ser o quarto álbum da banda.
Cais das Colinas é o primeiro longa-duração dos Trovante em que a produção foi atribuída ao grupo e não a alguém de fora (os primeiros três álbuns tinham sido produzidos, respectivamente, por Pedro Osório, Manuel Jorge Veloso e Nuno Rodrigues), o que é também uma conquista com base no sucesso comercial do trabalho anterior. O grupo, no entanto, tinha perdido um dos seus elementos fundadores, João Nuno Represas, constituindo-se agora como um sexteto para quem as linhas-mestras continuavam, na essência, as mesmas: juntar musicalmente um pouco das nossas (e de outras) tradições, elementos de jazz e de rock e uma preocupação com os textos cantados que os distinguia desde logo.
Se ao início do percurso do grupo está associado desde logo um poeta (Francisco Viana), o grupo cantava em Cais das Colinas dois dos nomes cimeiros da poesia portuguesa do século XX, Fernando Pessoa e Eugénio de Andrade, o que não é algo de somenos. Mas este trabalho marca ainda o início de um percurso literário-musical de monta, ao incluir pela primeira vez um texto com autoria de João Monge: a belíssima Oração, que junta as vozes de Vitorino, Rui Veloso, Fernando Girão ou Lena d’Água, entre muitas outras, para um espaço de partilhas que poucos poderiam então congregar desta forma. Um dos nossos maiores escritores de canções, Sérgio Godinho, percebeu isso mesmo, e estendeu aos Trovante o mesmo braço que mais tarde estenderia aos Clã, proporcionando um encontro de gerações e de linguagens em Linha das Fronteiras. Para além dos próprios João Gil e Luís Represas como letristas, é também Carlos Tê que aqui encontramos, nessa deliciosa Lua de Março que prova desde cedo o talento transversal do autor de Chico Fininho.
Afinal de contas, quando é publicado Cais das Colinas tinham passado menos de três anos do início daquilo a que se chamou boom do rock português. Os Trovante, não sendo propriamente um grupo de rock, souberam como muito poucos estar na crista dessa onda, revelando-se como um dos projectos mais acarinhados por mais do que uma geração de portugueses e de onde nasceram carreiras a solo e outros grupos com percurso e reconhecimento até aos dias de hoje. Se Saudade é uma das canções mais recordadas do grupo, há sempre alguém que te diz que por trás de uma grande canção está quase sempre um grande álbum – mesmo que com vendas mais modestas do que Baile no Bosque – e que hoje celebra 40 anos. Uma pequena-grande pedra no charco!
Texto de João Carlos Callixto
Ao longo desta sexta-feira, a Antena 1 recupera temas de Cais das Colinas.