"Onde está Marta Dias?
QUANTAS TRIBOS é regresso em origens, e um disco de convergências.
Marta Dias, portuguesa que herda de Goa e de pai são-tomense, desde sempre se definiu por múltiplos. O seu historial prospetivo identifica-se por diversidades postas em jogo: elementos urbanos, contemporâneos e telúricos, saberes e sabedorias, intuições bem pensadas, sensualidade em equilíbrio com contenção, e interseções musicais e humanas.
Foram plurais os caminhos percorridos pela cantora desde YUE, o álbum de estreia em 1997. O single “Gritar” tornou-se referenciável entre percursos então encetados na música portuguesa. Ao segundo disco encontrava-se AQUI (1999), mas já projetava pontes improváveis de “Ossobó” a “Quase Fado”. E foi com o fado que Marta Dias correu mais mundo, cedendo-lhe o timbre mestiço e o jeito jazzy que guardou da escola do Hot Club de Portugal.
Mas se YUE invocava D. Dinis, QUANTAS TRIBOS convoca cinco poetas de São Tomé e Príncipe. Neste novo disco Marta Dias canta as ilhas perdidas na conjuntura dos séculos, como descritas por Alda Espírito Santo em “Ilha Nua” -um entre dez poemas que escolheu trazer para o palco da vida, num projeto pioneiro de homenagem a poetas de São Tomé e Príncipe.
Alda Espírito Santo, Conceição Lima, Fernando de Macedo, Francisco José Tenreiro e Maria Manuela Margarido já tinham escrito cada fragmento da narrativa ordenada por Marta Dias. De versos envoltos em insularidade e azul extenso, como em “O que está para além das brumas”, ao retrato alegre de menino ardiloso mas parcimonioso, de “O Vendedor”, passando pela languidez da colonial D. Joia, dona de tudo o que é triste, Marta Dias propõe uma visitação (en) cantada às ilhas dos verdes longos de “Socopé”.
Talvez faminta de irradiação humana, Marta Dias partilha canto com Carmen Souza em “Os Rios da Tribo” -onde encontra o título do CD- e com Kalaf em “Humanidade”. Com Carmen Souza enuncia nomes próprios oriundos das várias tribos são-tomenses, produzindo um divertido diálogo; com Kalaf dirige uma mensagem a esferas humanas sem corredores estanques.
Os dez inéditos compostos por Oswaldo Santos, compositor e guitarrista clássico são-tomense radicado em Londres – ilhéu na ilha- exibem uma paleta de sonoridades que evoluem do registo nostálgico ao exuberante, emergentes da sua interioridade insular e do manejo de ritmos são-tomenses, a que acrescenta o virtuosismo da guitarra, consolidando a identidade do disco. Marta Dias também se aventura na composição, colaborando em “No Dia Em Que Foste Embora”, “Corpo Moreno” e “Ilha Nua”.
Carlos Barreto Xavier tudo entendeu e articulou, ou não fosse já de décadas a cumplicidade de Marta Dias com o produtor cujo curriculum inclui colaborações com muitos projetos nacionais destacados, e com referências internacionais como Jonathan Miller (Wham/George Michael) ou Darren Allison (Skunk Anansie). As prestações de Yuri Daniel, Ruca Rebordão, João Frade e Costa Neto rematam a magnífica musicalidade que rima com os versos dos poetas de QUANTAS TRIBOS.
QUANTAS TRIBOS é um ensejo de viagem por estados de alma, condição humana, ecos do passado e ritmos presentes, raízes e frutos, amorosamente mapeada por Marta Dias, que interpela a multiplicidade num disco uno e inteiro predestinado a memória futura."
Célia Aldegalega / Novembro 2015
Marta Dias conversou com Ana Sofia Carvalhêda sobre este novo trabalho retrata e homenageia São Tomé e Príncipe
QUANTAS TRIBOS
1. Socopé
(Maria Manuel Margarido/ Oswaldo Santos)
2. Ilha Nua
(Alda Espírito Santo / Oswaldo Santos e Marta Dias)
3. Ritmo Para a Jóia Daquela Roça
(Francisco José Tenreiro/Oswaldo Santos)
4. O Que Está Para Além das Brumas
(Fernando de Macedo Oswaldo Santos)
5. Os Rios da Tribo
(Conceição Lima/Oswaldo Santos)
6. O Vendedor
(Conceição Lima/Oswaldo Santos)
7. Descendo o Meu Bairro
(Alda Espírito Santo/Oswaldo Santos)
8. No Dia Em Que Te Foste Embora
(Maria Manuela Margarido/Oswaldo Santos)
9. Corpo Moreno
(Francisco José Tenreiro/Oswaldo Santos e Marta Dias)
10. Humanidade
(Alda Espírito Santo/Oswaldo Santos)
Ficha técnica:
Marta Dias – voz
Oswaldo Santos – guitarra clássica, composição
Yuri Daniel – baixo
Ruca Rebordão – percussões
João Frade – acordeão
Costa Neto – vozes
Convidados: Carmen Souza em “Os Rios da Tribo” e Kalaf em “Humanidade”
Gravação: Joaquim Monte, Estúdio Namouche, Fevereiro e Março 2015
Consultoria: Célia Aldegalega
Produção: Carlos Barreto Xavier
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BIOGRAFIA MARTA DIAS
De ascendência portuguesa, são-tomense e goesa, Marta Dias nasceu em Lisboa. Desde cedo procurou conciliar mundos diferentes, quer através do aprofundamento das suas raízes, quer através de uma formação ampla e variada. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, cursou canto no Conservatório de Setúbal e depois no Hot Clube de Portugal. Ao longo desses anos participou em espectáculos da CeDeCe – Companhia de Dança Contemporânea.
Yué, o seu primeiro disco, data de 1997. O título é uma apropriação de parte da célebre cantiga de amigo de D. Dinis, Flores do Verde Pinho, o que anunciava, na altura, a procura de novos quadros de referência para a música portuguesa. Aqui, o seu segundo disco, data de 1999 e é a primeira resposta a essa busca, remetendo para atmosferas africanas, brasileiras e jazzísticas.
A sua estreia em álbum, porém, é anterior e resultou de colaborações com dois dos mais estimulantes projectos da década de 90: General D (Pé na Tchon Karapinha na Céu e Kanimambo) e Ithaka (Flowers and the Color of Paint e Stellafly). Participou ainda no álbum colectivo Composto de Mudança, de 2005, em que interpretou o tema Barca Bela, e no CD do grande guitarrista Fernando Alvim, Os Fados e as Canções do Alvim, de 2011, com o tema Luminoso. Convém lembrar ainda o dueto com Ney Matogrosso, no âmbito dos concertos do Pão Music 2000, que levaram ao Brasil vários artistas portugueses em colaboração com artistas brasileiros.
Marta Dias manteve uma colaboração importante com António Chainho entre 1998 e 2005, tendo sido a voz mais ouvida do projecto A Guitarra e Outras Mulheres, um marco na história do fado em Portugal. Escreveu a letra de Fadinho Simples, o tema mais popular desse disco. E em Ao Vivo no CCB (CD de 2003) revisitou as muitas tournées pelo mundo inteiro que realizou com o virtuoso da guitarra portuguesa. As canções do disco têm letras suas e música de António Chainho.
Quantas Tribos, com data de lançamento no dia 05 de Fevereiro, é uma nova etapa no seu percurso, ao mesmo tempo que prefigura uma homenagem – a primeira com esta dimensão – aos poetas de São Tomé e Príncipe.