Caso invulgar de sucesso para um projeto claramente nascido nas franjas mais exploratórias da música pop, os The Art of Noise aliaram um interesse maior pelas eletrónicas, um saber na arte do arranho e uma visão desafiante nas lógicas da comunicação para criar uma obra ímpar mas que, de certa maneira, acabou por definir um paradigma de referência para a editora ZTT Records, que Trevor Horn fundou juntamente com a empresária Jill Sinclair (com quem o músico estava casado) e o jornalista Paul Morley. De resto, o EP “Into Battle with The Art of Noise”, editado em finais de setembro de 1986, não só representou a estreia dos The Art of Noise como assinalou o arranque do catálogo da ZTT Records.
A génese dos The Art of Noise fez-se entre a equipa de produção que Trevor Horn tinha reunido na aurora da década, e com a qual trabalhara em discos dos ABC, Yes, Malcolm McLaren e, mais recentemente, os Frankie Goes To Hollywood, cujo “Relax” chegaria em outubro, poucas semanas depois de “Into Battle with The Art of Noise”. Foi durante uma sessão de trabalho nas gravações do álbum “90125” que, trabalhando com um sampler Fairlight CMI, de um jogo de sons feitos entre samples e sequenciadores, surgiu o mote que os levou a “Owner of a Lonely Heart”, que se transformaria num caso de sucesso para os Yes. Da vontade em continuar a explorar as potencialidades que tinham pela frente Trevor Horn desafiou então o programador J. J. Jeczalik, o engenheiro de som Gary Langan e a arranjadora Anne Dudley a trabalhar novas ideias em conjunto, chamando a bordo o jornalista musical Paul Morley para definir conceitos e uma linguagem de comunicação. Foi ele quem, inspirado pelas ideias de Luigi Russolo, trouxe o nome ao grupo e, continuando a escutar os futuristas dos anos 20 do século passado, encontrou também o caminho que o levaria à designação da editora. ZTT, tendo aí como fonte de inspiração o poema “Zang Tumb Tumb” de Filippo Tommaso Marinetti.
“Into Battle with The Art of Noise” era um cartão de apresentação das ideias que, meses depois, ganhariam forma no magnífico álbum de estreia “Who’s Afraid of The Art Of Noise”, apresentando já primeiras versões de temas clássicos como “Beat Box” ou o minimalista “Moments in Love”. Contudo é nos pequenos detalhes para além destas duas peças com alma pop que evidenciam a largura de espectro das ideias que se propunham a trabalhar, numa sucessão de composições com formas mais desafiantes pelas quais passam samples retirados de discos de Malcolm McLaren, Frank Sinatra, as Andrews Sisters ou até mesmo uma gravação da “Paixão Segundo São Mateus” de Johann Sebastian Bach. A própria capa lançava também pistas sobre a dimensão exploratória de uma obra pop diferente, citando o design que servira “Time Further Out” do Dave Bruebeck Quartet, trocando o Miró que ali víamos por um detalhe de um painel de Jan van Eyck.
Seguindo as linhas projetadas neste EP de estreia, o álbum “Who’s Afraid Of The Art Of Noise” (1984) confirmou a entrada em cena um dos mais inventivos projetos da década, alargando os horizontes da pop a novos patamares de experimentação, tendo algumas das suas técnicas e sugestões entretanto sido assimiladas pelo universo ao seu redor. Um conflito interno afastou-os logo depois da edição do álbum de 1984 de Trevor Horn, de Paul Morley e da própria ZTT Records, seguindo o grupo o seu caminho numa outra editora (a China Records) na qual, ao longo da segunda metade da década de 80, somaram mais uma mão cheia de importantes episódios de visão, aliando novamente um sentido de ousadia formal a uma alma de clara identidade pop em álbuns como “In Visible Silence” (1986) e “In No Sense? Nonsense!” (1987) e singles como “Peter Gunn” ou uma bem sucedida versão de “Kiss” (de Prince) com a voz de Tom Jones. Separados depois de “Below The Waste” (1989), passaram a década de 90 a assistir a uma sucessiva edição de antologias, dirigindo cada um dos elementos da banda as suas atenções para discos dos mais variados artistas e bandas. Até que, reunidos (novamente com Horn e Morley a bordo) gravaram em 1999 o álbum “The Seduction of Claude Debussy”.
Este reencontro foi contudo sol de pouca dura. E o disco ficou aquém do reconhecimento que poderia ter merecido. Homenagem a Claude Dubussy, nele apontando um exemplo daquela vertigem que tantas vezes vê a passagem do século como fronteira para um tempo novo, os Art of Noise projetavam ali a sua visão fin de siècle, num disco que, com narração de John Hurt, propunha uma ideia de biopic feito com música, ao mesmo tempo que encontrava uma nova materialização – pensada para 1999 – da identidade clássica dos Art of Noise que, mais que nunca, vincavam a vontade de fazer a sua demanda além dos caminhos estritamente pop muitas vezes tomados por tantos outros utilizadores de electrónicas, estabelecendo por um lado pontes para com as heranças da música orquestral e instrumental, por outro procurando diálogos com outras formas (entre elas, e pontualmente, o hip hop).
O (relativo) insucesso de “The Seduction of Claude Debussy” talvez tenha ditado o segundo fim, que chegou no ano 2000, depois de trabalhos feitos para as celebrações do milénio. Apesar de reunidos em 2013, sobretudo para atuações ao vivo – uma delas com orquestra – os Art of Noise não juntaram ainda nenhum disco de originais à sua discografia pós-1999. Os últimos anos têm contudo assistido a campanhas de reedição e até mesmo de lançamento de material de arquivo.