1.
Não sei da sua vida.
Não sei se tem filhos, uma família com quem viva, não sei se dorme com alguém, se tem um cágado a quem possa bater com a porta durante umas semanas sem sentimento de culpa, não sei se teve tragédias na sua vida ou se é uma idealista que faz o que é preciso se isso for útil ao mundo.
Sei que se chama Rita Costa.
Que é enfermeira e mora em Lisboa quando não está em trânsito.
Uma enfermeira obstetra, especialista no acompanhamento de mulheres grávidas antes, durante e depois do parto.
Mas especialista em mais do que isso, Rita é enfermeira com enormes responsabilidades nos Médicos sem Fronteiras e com um enorme peso na organização – os seus colegas no terreno falam da tranquilidade que mantém no meio do caos e da morte.
2.
O que distingue um enfermeiro ou um médico numa missão num cenário de guerra? De que partículas são feitas estas pessoas?
De coragem, claro.
De convicção absoluta.
De generosidade.
De desapego.
Certamente que a Rita é corajosa, convicta, generosa e desapegada.
E com trinta e poucos anos já viu muito mais do que a maioria de nós na vida toda.
Em Cabo Delgado.
No Iémen.
Recentemente em Gaza.
Onde coordenou toda a operação de partos em Rafah, no sul de Gaza, para onde confluíram milhares e milhares de pessoas em fuga.
Viu doentes crónicos descompensados pela falta de medicamentos.
Grávidas vulneráveis por falta de água potável e alimentadas com folhas de árvores.
Gente que enlouqueceu e está perdida nas ruas.
Tendas por toda a parte, bombas que não se sabe onde vão cair.
3.
Ainda assim viu e alimenta a esperança.
Rita é uma enfermeira que ajuda a nascer nos cenários mais difíceis em que alguns questionam se vale a pena nascer – como colocar essa questão quando ela, e outras como ela, arriscam a sua vida em nome do futuro, em nome daquela vida, da outra e da outra e da outra?
Em Gaza, lugar de horror.
Com mulheres subnutridas de mãos em concha agarradas à barriga.
Mulheres desesperadas e a Rita, entre bombardeamentos, sempre disponível e como se nada fosse porque elas, quando ali chegam, têm o direito de se sentir seguras.
Não sei nada sobre a Rita.
Só sei…
por ela o ter dito…
que lhe custa a adormecer de noite.
Que o frio em Gaza é insuportável.
Que há poças de lama e dejetos a céu aberto.
Que o cheiro a peste é insuportável.
E que há heróis no terreno.
Como ela, uma portuguesa que me deixa orgulhoso de o ser.
Texto e programa de Luís Osório
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