1.
Daniel Sampaio é uma das referências do país.
Quando fala, é escutado.
Quando olha, é como se nos interpelasse.
A sua vida foi exemplar e não era fácil ou linear ser o irmão mais novo de Jorge Sampaio, sete anos mais novo. Ainda Daniel era estudante de liceu e já o irmão liderava a Crise Académica de 1962.
Talvez tenha crescido na ideia de que precisava de desbravar um caminho apenas seu ou talvez tenha sido tudo natural, não faço ideia.
2.
Sei que encontrou rapidamente o seu caminho.
Na Medicina foi um psiquiatra brilhante, revolucionário na forma como se especializou no tratamento de adolescentes, no modo como introduziu e deu importância à terapia familiar e à prevenção do suicídio.
Como clínico chegou ao topo no Hospital Santa Maria.
Como professor chegou ao topo na Faculdade de Medicina de Lisboa.
Como autor foi campeão de vendas e sensibilizou milhares de pessoas para temas pouco ou nada falados.
Desfez tabus.
Salvou vidas.
Fez da sua vida um exemplo.
E seguiu sempre pelo seu próprio caminho.
3.
Mas há uma coisa que o Daniel nunca fez.
Consegues acertar?
Nunca escreveu um romance, mas esse é um vazio óbvio que lhe é apontado em todos os seus lançamentos, o Daniel poderia ter sido um grande escritor pois domina a escrita e é criativo.
Não, não é isso.
Há uma coisa secreta que ele nunca fez.
Os três filhos sabem-no.
Os sete netos sabem-no.
A Maria José, companheira de uma vida, sabe-o melhor do que ninguém.
O Daniel sonhava na sua juventude com a ideia de subir a um palco.
Sonhava ser ator.
Sonhava agarrar-nos aos lugares com um gesto trágico e enlouquecido de Lear, ou com uma frase certeira de Vladimir enquanto espera Godot, de nos agarrar aos lugares com a sua voz grave, os seus olhos, a sua presença.
É isso que o Daniel nunca fez.
Entrar em palco para se aproximar da verdade que é um exclusivo de loucos ou de atores à procura do milagre de serem outros ou de serem finalmente eles próprios.
É isso que lhe falta.
Sair de si próprio por uma vez que seja.
Ser um monstro, um náufrago, um louco, um fascista ou um padre. Ser o que não é, ser um outro.
Ainda o espero convencer a subir a esse lugar onde a mentira é a mais extraordinária forma de agarrar a verdade.
Texto e programa de Luís Osório
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