1.
Ele fora primeiro-ministro vários anos entre finais de 70 e princípios de 80.
Na Holanda conseguira a proeza de ser respeitado durante toda a vida. Nascera para ser advogado e fazer compromissos com quem não pensava como ele, talento que o levou a ser diplomata em Bruxelas a pedido da família real que o definia como “rebuscado”.
Era bem-disposto, culto e apaixonado pela sua “menina”.
Dito assim é piroso e fora de moda, mas era precisamente dessa forma que ele a chamava desde que ela se sentou ao seu lado num curso de Verão de Pintura.
2.
Esta é uma história de amor.
Não te consigo dizer se acaba mal, bem ou se é apenas sublime.
Talvez para mim o seja.
A sublime história de Dries van Agt e de Eugénie.
O jovem holandês que desejava ser ciclista e acabou político.
E a jovem holandesa que desejava ser artista e acabou sombra do marido.
3.
Os dois conservadores, os dois católicos, os dois apaixonados.
Kohl, Miterrand ou Thatcher chegaram a comentar em jantares do Conselho Europeu a maneira como o primeiro-ministro holandês olhava a sua mulher.
A maneira como fazia questão de a apresentar ao mundo, como se inquietava quando alguma reunião se atrasava, como se divertia quando andavam de mão dada pelas cidades que não conheciam.
Em Bruxelas, onde viveram vários anos, perdiam-se nas livrarias de fim-de-semana.
Dries adorava ver séries policiais e de tribunal. Eugénie preferia regar a família de três filhos, netos e bisnetos.
4.
Pareciam eternos de tão vivos.
Depois dos setenta anos ainda mais acordados do que antes. Reuniões de uma fundação de apoio à Palestina – o que chocou alguns companheiros do seu partido conservador –, colóquios, debates, viagens, cinema e teatro, espetáculos, viagens de balão.
Sempre apaixonados.
Sempre à espera um do outro para se deitarem, para acordarem, para tomarem o pequeno-almoço.
Em 2019, Dries teve um AVC. Deixou de se poder concentrar nos livros, deixou de poder escrever como antes, deixou de poder caminhar pelas cidades. E Eugénie também se foi prostrando, talvez por o corpo de um ser o do outro.
Tinham 93 anos quando decidiram morrer.
Na Holanda é permitido o suicídio assistido e o país parou para os acompanhar no seu dia derradeiro.
Deitaram-se e sorriram um para o outro pela última vez, um sorriso de “até já”, sem medo ou angústia.
Um sorriso e a mão de um na mão do outro. Foi assim que se deixaram ir quando o veneno os adormeceu.
Estão sepultados numa campa comum na terra onde se viram pela primeira vez.
Ele e a sua menina.
Texto e programa de Luís Osório
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