1.
Não gosto de Ricardo Araújo Pereira.
Não sinto qualquer empatia, não confio no que é e representa.
Ah, mas é o melhor entre os melhores. É inteligente, rápido, sabe o que resulta e consegue vestir vários fatos mesmo que use o mesmo fato e a mesma gravata.
O seu “Isto é Gozar com Quem Trabalha”, especial eleições, foi o programa que nunca perdi por estes dias. E em todos achei que aqueles vinte e cinco minutos eram mais informativos do que a maioria dos espaços de informação.
As perguntas que fez, as entrevistas que ressuscitou do passado de cada candidato, a coragem que teve em assumir a sua vontade de continuar a não convidar André Ventura, o modo cirúrgico como alinhou aquela primeira parte, o trabalho exaustivo de visionamento e preparação, provaram que não há paralelo neste momento.
Não há ninguém como ele.
2.
Talvez eu continue lixado e de maus fígados com o que me fez há uns tempos, talvez me tenha transformado no que critico nos outros, talvez seja penosa a crítica quando me atinge uma parte frágil, não faço ideia.
Mas se puder nunca almoçar com ele, nunca almoçarei com ele.
Ah, mas a sua cara é uma máscara.
Consegue mudar de Mr. Jekyl para Mr. Hyde com a maior facilidade – tem um rosto de palhaço sem precisar de maquilhagem, um palhaço genial que poderia ser um Buster Keaton moderno ou um Jim Carrey se o desafiassem a ser o espantoso Stanley no filme “A Máscara”.
3.
Ricardo Araújo Pereira estilhaçou as audiências.
Voltou a fazê-lo com o seu diário de campanha.
Faz rir catedráticos e analfabetos, goza consigo e com o sucesso, é uma estrela desdenhosa do estrelato.
Não suporto, não simpatizo, não me apetece gostar do homem e dar o dito pelo não dito.
Há dois anos escrevi que Ricardo não era o melhor humorista da sua geração. Existia o Bruno Nogueira que arriscava mais, que se punha em causa em cada projeto, que não tinha medo de cair ou de ser ostracizado.
É verdade, continua a ser verdade.
Ah, mas o Ricardo não é sequer um humorista. Ou não é apenas isso.
É um leitor das falhas humanas, um cientista da queda, do paradoxo, do que em nós é cinzento, do que em nós é insuportavelmente espuma ou pequena e miserável ambição.
É mais do que um humorista.
Ou então não, é o humorista que, como todos os grandes, é uma espécie de arquiteto do circo humano.
Perverso.
Venenoso.
Implacável.
Ricardo Araújo Pereira é a minha besta negra.
Escolho-os bem.
Escolhi o melhor.
Texto e programa de Luís Osório
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