1.
O nome de Zeca Afonso voltou à superfície dos dias.
O país celebra-o como se nada se tivesse passado, como se tivesse sido ao longo da vida uma estátua ou uma abstração que nos motivava à luta pela liberdade.
Dentro de uns dias, Zeca regressará às ruas por bons motivos…
… passaram 50 anos pelo 25 de Abril.
Meio século de democracia e de liberdade, um caminho difícil, mas que tem valido a pena.
2.
No parlamento há 50 deputados que não sairão à rua. E mais de um milhão de portugueses decidiram colocar a cruz num partido que não defende a liberdade e a democracia.
Mas ainda assim, quatro em cada cinco portugueses que votaram não o fizeram no Chega, uma larguíssima maioria absoluta.
3.
Zeca Afonso voltará a tocar nas televisões, nas rádios, um pouco por todo o lado.
Ouviremos Grândola e aquele premonitório som de passos militares, um som gravado uns anos antes da madrugada de 25 de Abril.
Zeca foi um génio.
Mas convém que não nos esqueçamos que morreu abandonado por quase todos.
Uma Esclerose Lateral Amiotrófica imobilizou-o a uma cama e condenou-o ao sofrimento.
Poucos ficaram com ele até ao fim.
Zélia, a sua companheira, acompanhou-o sem quebras, sem reticências, sem qualquer hesitação.
Outros amigos foram aparecendo, outros desaparecendo.
E o Estado português deixou-o à sua sorte.
Sem uma ajuda, sem uma compensação, sem nada.
Zeca Afonso que dera a sua voz e a sua presença a todos os que lha pediram, e fê-lo tantas vezes sem nada cobrar, morreu sem dinheiro para todos os medicamentos que precisava.
Mas Zeca não era uma estátua.
Era um ser humano que o país a quem tanto deu não soube respeitar.
Como aliás não respeitou Salgueiro Maia.
Os dois, Zeca e Maia, são bem o exemplo dos nossos paradoxos.
O exemplo da nossa coragem e talento, mas também da nossa inveja e mesquinhez.
Texto e programa de Luís Osório
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