1.
Tem 18 anos e chama-se Raquel.
Mora em Oeiras e a família vive com grandes dificuldades.
Não existe nenhum problema entre ela e os pais, é o que é, a vida não funciona da mesma maneira para todos, raramente é linear, a mãe enfrenta uma doença que a puxa para baixo e o pai faz o que pode.
2.
Raquel estava consciente de que não dava para ir além da realidade. Matriculou-se num curso profissional para rapidamente ajudar a família. Mas começou a ter boas notas e depois melhores ainda e alguns professores influenciaram-na para que não desistisse de si.
Meteram-lhe ideias na cabeça.
E Raquel Barros não os desiludiu, as notas boas tornaram-se ainda um pouco melhores e na sua cabeça passou a existir o sonho de entrar na universidade.
Não para um curso qualquer, isso não lhe interessava. Para o dos seus sonhos sim, o curso de publicidade e marketing, em Aveiro. Os pais ficaram ainda mais tristes, se era difícil em Lisboa tornava-se impossível a 300 quilómetros.
Choraram uns com os outros.
3.
Raquel desistiu sem desistir. Ou melhor, desistiu sem ter deixado de pensar no assunto. Tentou fazê-lo, concentrar-se noutras coisas, noutros caminhos, mas a ideia regressava sempre.
De repente, andava pela rua e lia a palavra Aveiro.
De repente, olhava e via um outdoor que a fazia sorrir, como se aquele anúncio tivesse sido feito para ela.
De repente, encontrava por acaso um professor que lhe perguntava o que ela não podia responder.
Raquel resolveu meter os pés ao caminho.
Com o pouco dinheiro que tinha comprou pastilhas e revendeu-as nas ruas e jardins de Oeiras.
Abordava as pessoas explicando-lhes que precisava do dinheiro para estudar, que cada pastilha custava apenas um euro, já seria uma boa ajuda se comprassem.
4.
Começou tímida, com vergonha de incomodar ou que achassem que o dinheiro era para coisas más, mas nunca desistiu. Quando não lhe apetecia pensava no que perderia se não o fizesse.
Conseguiu juntar o dinheiro para se inscrever e arrendar um quarto. Não terá mais um cêntimo do que precisa, mas atingiu o seu objetivo.
A Raquel é maravilhosa.
Tem 18 anos, uns óculos de aros grandes e é uma menina tímida.
Tímida e com uma força e uma coragem imensas.
Tantos miúdos com a sua idade que se afundam numa vida sem objetivos, tantos que vivem vidas virtuais, tantos que se esforçam pouco ou nada pois tudo lhes parece ser dado de borla, e aparece-nos esta miúda.
Já falei aos meus filhos da Raquel.
Do exemplo que ela é, do desafio que lhes deixa para que não facilitem. Para que respeitem o que a vida lhes ofereceu, o privilégio de não terem de vender pastilhas elásticas para poderem estudar.
Texto e programa de Luís Osório
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