1.
Portugal é um dos países com mais divórcios na União Europeia. Podemos até dizer que, nesse capítulo, não estamos na cauda da Europa. Na verdade, quanto a divórcios somos verdadeiramente uma economia de ponta.
2.
Não desvalorizo o tema.
Quem é pai ou mãe de crianças e adolescentes do primeiro ciclo ao liceu, sabe que a percentagem de filhos de pais separados corresponde, na melhor das hipóteses, a metade da turma.
Falarei um dia sobre ser padrasto ou madrasta ou acerca das razões para tantos divórcios, mesmo entre casais homossexuais, mas escolhi hoje um caminho diferente.
Interessa-me responder a uma outra pergunta: em que momento as relações se tornam vulneráveis? Em que instante o fim passa a ser possível?
3.
Para mim, cinéfilo e seguidor de algumas das séries televisivas mais marcantes do nosso tempo, a resposta tornou-se clara.
O casamento, ou se preferires uma relação entre duas pessoas, obedece aos princípios narrativos dos guionistas das séries que amamos.
Existe conflito, morte, esperança, medo, paixão, ódio, o mal e o bem, paradoxo, contradição, redenção e tudo o que a vida nos oferece para que a possamos interpretar no nosso palco privativo.
4.
As séries podem ter sucesso durante uma vida.
E podem esgotar-se ao fim de duas temporadas.
Ou até a meio da primeira temporada.
Ora, as relações também são assim com uma única diferença.
Ao contrário das séries os casamentos podem eternizar-se já estando mais do que esgotados.
O que desejo dizer com tudo isto?
Que nenhuma série termina por excesso de vida.
O que as termina é a dificuldade de encontrar novas palavras, a impossibilidade de encontrar uma frescura perdida, o esgotamento dos personagens.
Quando isso começa a acontecer, quando os guionistas já não conseguem surpreender, a série está condenada a terminar.
5.
Nos casamentos é a mesma coisa.
O problema não é o que se torna visível.
Isso é uma consequência e não a causa.
O problema é termos esgotado o que dizer ao outro.
O problema é nada nos sair da boca de diferente do que dissemos ontem e anteontem.
O problema é transformarmos as relações numa repartição burocrática de tarefas.
Quando tal sucede é sinal de que a nossa série terminou.
Mesmo que possamos manter a relação durante uma vida, por ser cómodo ou por causa dos filhos ou por outro motivo qualquer, a nossa história de deixou de ser importante.
Seremos de ora em diante apenas uma soma impossível de somar.
Uma oportunidade perdida.
Uma memória de quando éramos uma série a sério.
Texto e programa de Luís Osório
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