1.
Na moda portuguesa não há nenhuma figura como Nuno Baltazar.
Nos últimos quase trinta anos dividiu as águas entre os que o viam como criador e os que o definiam pela sua extravagante megalomania, pelo espalhafato visual, pelas apresentações em que tudo era excesso, procura de caminho, poesia.
Nuno era um cristão novo.
Na sua vida foi quase sempre um cristão novo.
Por estar no Porto tendo nascido em Lisboa.
Por ter tido uma juventude assombrada pela tristeza, pelo medo, pela culpa e a moda ser o oposto de tudo isso, talvez uma fuga a tudo isso.
2.
O Nuno cresceu com uma mãe esquizofrénica.
Ele e as irmãs, Sofia e Filipa, viveram uma infância na penumbra, numa casa que a mãe Elsa transformava numa sombra por lhe ser impossível tolerar a luz.
Fechava as persianas e os filhos cresceram às escuras.
O pequeno Nuno acordava todos os dias sem saber o que aconteceria. Se a mãe estava calma ou se dispararia para o abismo, tudo poderia sempre acontecer.
Em Elsa a imprevisibilidade era a única coisa previsível.
E a única coisa que os três podiam esperar da mãe, uma mulher ainda assim extraordinária, professora universitária em engenharia química antes de a doença a ter conquistado.
3.
Mas não é por isso que dedico o Postal do Dia a Nuno Baltazar, não é por ter corajosamente contado a sua história no Expresso.
Também não é pela sua genialidade.
Pelos vestidos das suas coleções, pelas histórias que conta, pela maravilha de ter transformado Catarina Furtado num ícone da moda televisiva em portuguesa.
É por nunca ter deixado de ver a mãe como a sua princesa.
Apesar da doença, apesar dos gritos, da escuridão, da presença de fantasmas invisíveis, a mãe nunca deixou de ser a sua referência.
A mulher que continua a procurar em todas as mulheres que veste.
A mãe a quem leva a todas as consultas e em todas as conversas psiquiátricas.
A mãe que acompanhou em todos os tratamentos quando precisou de combater um cancro na mama.
A mãe com quem continua a discutir o amor e a inquietação.
A mãe a quem nunca abandonou.
Um abraço, Nuno Baltazar.
Por tudo, mas também por isto.
Pelo que fizeste contra o estigma da saúde mental.
Por não teres tido medo de dizer…
… a minha mãe é esquizofrénica, sofri muito, mas estou aqui e ela continua a ser a mulher da minha vida.
Obrigado por teres dito ao mundo que não há vergonha nisso.
Texto e programa de Luís Osório
Ouça o “Postal do Dia” na Antena 1, de segunda a sexta-feira, pelas 18h50. Disponível posteriormente em Spotify, Apple Podcasts, Google Podcasts e RTP Play.