Há 270 investigadores da Universidade de Coimbra na corda bamba, tão bamba que 70 deles vão para o desemprego já em Janeiro. Na verdade, o emprego que agora lhes foge debaixo dos pés nunca foi chão firme, mas nesse chão eles semearam ideias e conhecimento, projectos de investigação merecedores de bolsas, deram aulas, orientaram teses de doutoramento sem qualquer remuneração. Às 11 da manhã juntam-se na Porta Férrea denunciando a precariedade na investigação científica.
Os jornais colheram da agência Lusa os dados de um credo na boca que a reitoria da Universidade de Coimbra garante dever-se a um financiamento público insuficiente.
O diário “As Beiras” transcreve, da Lusa, a pergunta feita por um dos investigadores na porta de saída. Chama-se Steve Catarino, tem 44 anos, é bioquímico, vê terminar abruptamente uma ligação de mais de duas dezenas de anos à universidade. O vínculo dele termina no dia de Natal. Ele pergunta: “E agora?” E tacteia uma resposta no escuro, é a sua própria vida no balão de ensaio. Terá de concorrer a outros lugares, talvez noutros países.
Natal amargo, o de Steve Catarino, que desabafa: “Depois de 22 anos na Universidade, sempre com avaliações positivas, sou chutado para a rua”.
Steve Mendes Catarino, bioquímico com doutoramento na Universidade em que agora ensaia a absurda precariedade enfrenta o laboratório da opinião pública. Quem dará um minuto de atenção ao seu currículo? Procuro mais dados sobre o cientista ao qual as circunstâncias obrigam a uma estranha especialização sobre a incerteza. Fico a saber que tem uma vasta experiência na área das junções comunicantes e que as suas contribuições “ajudaram a elucidar o ciclo de vida das proteínas conexinas e várias das suas funções não canónicas e, na última década, a aplicação destas às ciências cardiovasculares”.
É vasto o currículo deste investigador cujo vínculo termina no dia de Natal. Estranha prenda que os decisores e outros hierarcas explicarão admitindo uma insuficiência.
Ocorre-me uma ideia forte duma entrevista de Manuel Vicent, um dos meus cronistas favoritos no El Pais. Nessa entrevista, o homem que por duas vezes venceu o prémio Alfaguara de Novela considerava que “hoje, a poesia, a filosofia e até a teologia fazem-se nos laboratórios de bioquímica molecular”.
Não é justo, ao menos nestes dias natalícios, confrontar o bioquímico Steve Catarino com uma ideia tão luminosa.