Talvez Miguel Arruda, deputado do Chega pelo círculo dos Açores, apanhado em flagrante com alheia bagagem surripiada, tenha levado demasiado à letra os versos de uma velha cantilena popular atribuída a um tal Manuel Casimiro da Fajã Grande que conquistou direito a um fado cantado por Celeste Rodrigues: “Olha a mala, olha a mala, / olha a malinha de mão. / Não é tua, nem é minha, / É do nosso hidroavião”. O hidroavião do fado foi cair à Nazaré, por falta de gasolina, e o fadista, tendo ido à praia, não viu pescador, nem peixe, não viu senão aquela malinha que suscitou um fado.
O fado de Arruda, passageiro frequente de modernos aeroplanos, pós-graduado em Engenharia da Qualidade e deputado do Chega, não pergunta “de quem é esta malinha?”. Mal começava a rodar o tapete da recolha de bagagens, Arruda fisgava uma que lhe caísse no goto e ala que se faz tarde. As casas dos Açores e de Lisboa, devido às malas artes de Arruda, são assoalhadas de malas, matrioskas de couro.
A crónica de Arruda nos dirá da sua arte de arrumar a mala. Por agora, ele parece desarrumar aquele poema de Álvaro de Campos que se perde na vastidão dos desertos, adiando a ideia de viagem. Há malas, sim, ainda por arrumar, nos versos do poema, apetece desfazer o poema como se desfizéssemos a mala. Grandes são os aeroportos, os tapetes rolantes da bagagem e os desertos, claro. Não tinha, o poeta, tirado bilhete para a vida. Já o deputado do Chega, em partindo, camisas mais do que para uma muda, rotina furtiva na zona de recolha. Um homem viajado precisa de camisas e, como lembra Álvaro de Campos, não pode levar “as camisas na hipótese e a mala na razão”. “Mais vale arrumar a mala”, sussurra o poeta.
Mas essa é uma arte que tem o seu quê. Por alguma razão está a internet cheia de dicas. Sobre como arrumar a mala, sim. Sobre como fazer a mala de viagem para sete, para quinze, para trinta dias. Anoto a esmo: Faça uma check-list do que levar. Pense bem nas coisas que vai levar. Mas, invariavelmente, o primeiro dos conselhos, lá está: “Escolha a mala ideal”. Foi esse o desígnio do deputado. Por tentativa e erro. Nunca se sabe o que tem dentro a mala que não fizemos.
Sabemos de um dilema que, ao contrário do que deixa escapar Álvaro de Campos noutro poema, Miguel Arruda não viveu. É um poema de vésperas. Começa assim: “Na véspera de não partir nunca /ao menos não há que arrumar malas”. Nem que as gamar.