O sumo-cartógrafo sobrevoou o vasto golfo com o seu super-olhar perfurador e ditou para o ditafónix: “Talvez seja necessário retocar os mapas, de tal modo que a baía de Campeche deixe de ser a maior do Golfo da América que acabo de criar. Nem que seja preciso mudar-lhe o nome”.
O robô diplomático ao qual se dirigia, accionou a artificial perfuração: “Mas, sumo-cartógrafo, essas são já águas do Iucatã, e o nome foi-lhes atribuído por um grande conquistador, Francisco Hernandez de Córdoba, o primeiro a confrontar-se, nos idos do século XVI, nesta precisa linha de água que dá alento aos furacões, com o logossilabário maia.”
“E isso que tem?”, devolveu o sumo-cartógrafo. “São águas do mesmo golfo, sujeitas à nova cartografia. Estudarei um nome que lhe fique a preceito e assinarei, quanto à futura designação, o decreto que me aprouver. Não me chamais sumo-cartógrafo, não votasteis em mim para que o fosse?”
Deixou que o olhar sobrevoasse o vasto mar contido entre mares maiores pela grande concha de terra sob o manto do seu mando e pensou: “Doravante, as correntes do Golfo serão ainda mais quentes e ao mais temível furacão nestas águas encorpado darei o meu próprio nome, Donald”.
Dona América seguia distraída as notícias no seu apartamento virado à baía do Seixal: “Que pena não termos golfos, como os espanhóis têm o de Cádis… “. Dona América ficou a matutar: e se um futuro sumo-cartógrafo normando vier a impor, para as águas cantábricas, a exclusiva designação da Gasconha, fazendo tábua rasa do galego Biscaia?
Dona América afaga os dedos, perdidos os longinquos anéis de água de Ormuz e os do Golfo da Guiné.
Não temos golfos, mas temos baías, não tão famosas como a da Guanabara ou a dos Porcos. Mas temos os formidáveis recantos ainda não perfurados, a baía dos Pescadores, em Porto Covo, para onde se anunciam novas Rivieras, a de São Martinho do Porto e duas que ombreiam com a de São Francisco na lista oficial das mais belas do mundo: a de Setúbal e a da Horta, no Faial. Porque não celebramos o dia da baía de Setúbal ou o dia da baía da Horta? Se o presidente Marcelo assinar um decreto, nem será preciso mudar-lhes o nome, como aconteceu ao golfo agora perfurado pelo sumo-cartógrafo.
Nem Dona América nem o sumo-cartógrafo sabem que a palavra cartografia foi criada por um português de nome longo, Manuel Francisco de Barros e Sousa de Mesquita de Macedo Leitão e Carvalhosa, 2º visconde de Santarém.
Não contem isto ao sumo-cartógrafo, antes que ele, um pobre jota soilitário entre o nome e o apelido, se enfureça e compre, por decreto, quatro ou cinco apodos mexicanos e os faça seus. E a quem os use cobre tarifas insuportáveis.
Dona América suspira, o olhar perdido na baía do Seixal: “Dai-me, Senhor, uma inteligência artificial em conta e que gaste pouco aos cem”.