1.
Amélia de Jesus não é a mulher mais popular do mundo.
Ela dirá que é tudo inveja, mas o povo proclamará o contrário, que o dinheiro lhe subiu à cabeça, que é doida e excêntrica.
Sem a conhecer acho-lhe graça.
E invejo-a na mesma proporção.
Ganhou 51 milhões de euros no Euromilhões e jurou a si própria que agora era a sua vez de brincar.
2.
Já chegava de sofrimento.
Já chegava de fazer trabalho de empregada de limpeza na Póvoa de Varzim, para onde foi viver após a morte do marido, tinha apenas vinte e três anos e dois filhos para cuidar.
Levantou o cheque há uns dez anos e não levou muitos dias a dar corda aos seus desejos.
Comprou casas, carros e a roupa que finalmente podia usar, roupa de ricos, perfume de ricos, comida de ricos, hotel de ricos, ouro, mirra e o que havia de melhor.
3.
Comprou roupas fidalgas para que a sua mãe pudesse viver os últimos anos com dignidade, ela que fora peixeira a maior parte da vida.
Começou a andar num Porsche verde alface, mas pagou a pronto um Austin Martin e um Jaguar – ainda pensou num Bugatti igual ao de Cristiano Ronaldo, mas acabou por não acontecer.
Recentemente, Amélia de Jesus, nascida e criada em Marco de Canavezes, e desterrada na bela Póvoa de Varzim, comprou um caixão especialmente pensado para si e construído com muito amor no Brasil.
Um esquife de pau santo que veio da Amazónia e lhe custou mais de 200 mil euros – jura que assim conquistará a imortalidade, afinal não há morte que possa resistir a um caixão assim.
4.
O povo diz que estoirou tudo, que a massa se evaporou.
Inveja certamente.
Como a minha.
Que todas as semanas faço duas apostas para ver se consigo investir num assim, vindo da mais bela selva, benzido com os melhores fluídos, um bilhete para a eternidade.
A Amélia é que a sabe toda.
Ri-se com prazer quando lhe dizem que estoirou tudo, que gastou até ao último cêntimo os 51 milhões.
Que o caixão foi o seu último cartucho.
Ri-se com prazer e responde que tem notas um pouco por todo o lado, mas mesmo que não as tivesse gastou do bom e do melhor, que comeu do bom e do melhor, que andou em grandes carros e que descansará num caixão mais espaçoso e cómodo que o nosso.
Não é coisa pouca.