1.
Tive a felicidade de estar um dia inteiro com António Simões, um dos melhores jogadores da história do futebol português.
Uma viagem de Lisboa para o Porto, um almoço, uma conversa pública e o regresso a casa.
Falámos de tudo um pouco.
Da vida, do futebol, do mundial de 1966 em que foi considerado o melhor extremo esquerdo do mundo, da sua amizade com Eusébio, dos títulos, das saudades, de como se sente aos 81 anos, da justa condecoração que lhe foi dada por Marcelo Rebelo de Sousa, da política e do futuro.
2.
Falámos de tudo, mas não me sai da cabeça o dia 12 de março de 1972.
Eu já era nascido embora ainda não andasse.
Se o seu filho Nuno tivesse vivido mais do que as horas em que sobreviveu talvez pudéssemos ter sido amigos – éramos da mesma idade, ele um pouco mais novo, nasceu a 10 ou 11 de março, mas morreu na manhã de 12, dia do União de Tomar-Benfica.
Tinha três meninas, faltava-lhe o Nuno para completar a sua felicidade – o quartinho já estava pronto, as roupinhas já estavam arrumadas e António não escondia a sua felicidade.
Uma felicidade substituída por um sofrimento que nunca antes imaginara ser possível.
Quando desligou o telefone chorou convulsivamente, um calor subiu-lhe pelo corpo, um calor que parecia um veneno paralisante.
3.
António era com Eusébio a maior estrela do Benfica, mas o Pantera Negra não podia jogar nesse dia. Nem ele nem José Torres, o bom gigante que era o ponta de lança.
O presidente do Benfica, Borges Coutinho, mandou-o ir embora do estágio, mas a sua mulher, Maria Clara, fez-se de forte e pediu-lhe para jogar num telefonema impossível de esquecer.
“António, não vens fazer nada aqui. Joga e regressa depois”.
4.
António Simões, com a braçadeira de capitão, jogou em Tomar nessa tarde.
Entrou em campo e o estádio inteiro prestou-lhe homenagem.
No jogo não acertou um passe.
Não fez uma finta.
Nada lhe correu bem.
Na verdade, só acertou na bola uma vez.
Deu um pontapé sem deixar a bola cair e foi um dos golos do ano.
O Benfica ganhou um a zero, golo de António Simões no dia em que chorou convulsivamente o filho que nunca conheceu.
Chamava-se Nuno.