Tomemos o peso às palavras, mesmo às mais leves. Tomemos o peso à palavra confiabilidade, ontem usada pelo Presidente. Lá onde fia mais fino. A palavra fiança, no mais fundo penhor que ela pode almejar. A palavra confiança, em sua confiabilidade. Em sua leveza densa. Em sua fina habilidade. Em seu cerne.
Assim a notícia do Público descreve a forma e o fundo de uma comunicação presidencial: “Procurando explicar o cerne da questão, o Presidente apontou que o choque que leva a este desfecho ‘não era tanto sobre políticas’, mas mais ‘sobre a confiabilidade, ou seja, a ética da pessoa exercendo a função de primeiro-ministro”.
Sigamos, nesse caso, o cerne, meu amigo. O ainda que amargo âmago. O borne, a escondida claridade entre cerne e casca. Onde se abriga a essência.
Na verdade, como observou o Presidente, “não se pode ao mesmo tempo confiar e desconfiar”. Eis o mais fundo penhor que a palavra almeja. Em sua leveza densa. Em sua confiabilidade.
Olhemos o que se passa na Yazaki Saltano em Ovar. A administração da fábrica despediu ontem 364 trabalhadores, assim contados, quase um por dia.
364 despedimentos? Na verdade, como explicou uma trabalhadora à reportagem da RTP, a administração usou “uma palavra mais levezinha”. Não é despedimento, é dispensa. Que subtil diferença se revela no borne, entre cerne e casca.
“Leve, leve, muito leve”, murmura o guardador de rebanhos, “um vento muito leve passa”.
Entra, entretanto, José Candeias de rompante na Redacção, cortando o fio que fia mais fino, o fio noticioso das graves decisões e pergunta: “Estão a ver o eclipse total da Lua?”.
“Escapou-me totalmente”, faz de conta que alguém respondeu. “Eclipsou-se-me”, acrescentou um terceiro, procurando a palavra mais levezinha enquanto espreitava a manhã banhada em sol.
Assim o pressuposto de confiabilidade não nos escape, não se eclipse, neste tempo em que necessitamos de ir ao cerne da questão. Ainda que de um modo mais levezinho.