Para Agostinho da Silva não havia homem algum que não pudesse ser elogiado. Ele lembrava, sustentando a tese, que até um assassino pode ser elogiado pela boa pontaria. Do mesmo modo, acreditava que não existe um homem a salvo de censura, sublinhando que muitos santos não tomavam banho.
Desculpai-me se regresso a Trump. Faço-o por causa do banho.
O presidente dos Estados Unidos acaba de assinar um decreto sobre a pressão da água dos chuveiros, anulando o que tinha sido estabelecido pela administração Biden que, por sua vez, revertera a directiva da anterior administração Trump, a qual revogara, quanto ao fluxo da ablução, o estabelecido por Obama.
Trump quer mais pressão nos chuveiros para poder molhar a contento, até à raiz, os seus lindos cabelos. Podemos ouvir o argumento pela boca do próprio, em múltiplos canais: “Gosto de tomar um bom banho”, diz Trump, “para molhar o meu lindo cabelo”. O homem é insensível aos cálculos que ditaram as medidas dos seus antecessores, particularmente a lei de 1992 que estabelecia um volume máximo de água de 9,5 litros por minuto. Trump quer mais pressão para cuidar do seu lindo cabelo. Quando alterou as regras de Obama, permitiu chuveiradas de 38 litros por minuto, como relatava o jornal Público a 20 de Agosto de 2020. Vemo-lo e ouvi-lo agora, enquanto assina o decreto que aumenta de novo a pressão. Ele admite, tranquilamente, que passa 15 minutos debaixo do chuveiro. Há cabelos que precisam de muita rega e o dele, está no jornal desse Agosto, “tem de estar perfeito”.
A incredulidade dispensa o enfado dos ambientalistas. Se me permitis, recorro ao Livro Vermelho dos Pensamentos de Millor Fernandes, publicado há vinte anos e que é um fruto apetecível dos tempos gloriosos do Pasquim.
Abro na página 27, num capítulo dedicado à religião e ao misticismo. É a passagem resgatada de uma conversa de Millor com o advogado criminalista Técio Lins e Silva, em 1970. Millor invoca o que aprendeu em Gensaku, conhecimentos resgatados pela sabedoria dos séculos. Respigo alguns desses ensinamentos: “Jamais lavar os cabelos depois do meio dia. Nunca apontar para um arco íris. Nunca tomar banho com o estômago vazio. Não molhar os pés quando os dois ponteiros do relógio estiverem juntos (…) Não se deitar de costas quando houver chuva com raios ou trovões. (…) Tomar um banho, bem no início do dia 9 de Abril, todos os anos. Um banho no dia 7 de Agosto torna a pele áspera e seca”.
A lista de ensinamentos deixada por Millor é vasta, ainda que geradora de alguma perplexidade. Tal como um decreto de Trump, aquele por causa de quem o mundo está pelos cabelos.
Reparo, entretanto, que 9 de Abril foi ontem. Espero que tenha tomado o seu banho anual, com a pressão adequada.