1.
Não conheço Isabel Vaz.
Creio que nunca estivemos juntos no mesmo lugar ao mesmo tempo.
Dela diz-se que é intensa, inteligente, persuasiva e implacável na tomada de decisão.
É incontestável defini-la como uma pessoa poderosa, uma das mulheres com mais poder e influência, o rosto da saúde privada em Portugal.
2.
Celebrou por estes dias um quarto de século à frente da Luz Saúde.
Lidera milhares de trabalhadores e é amada e detestada, o que costuma ser um bom sinal.
Nasceu no Porto, mas os pais mudaram-se para Setúbal ainda a pequena Isabel não sabia como juntar letras e números.
Licenciou-se em Engenharia Química no Instituto Superior Técnico e talvez tenha sido aí que ganhou anticorpos contra o paternalismo masculino.
3.
Tinha 33 anos quando Ricardo Salgado a convidou para liderar o seu ambicioso projeto de saúde.
O banqueiro chamou ao projeto “Espírito Santo Saúde”, um dos poucos que viria a sobreviver à derrocada de um império feito afinal de cartas presas por fios de ilusionista.
Isabel aceitou e achou que tudo era possível.
Como ela gosta de repetir, aos 33 anos tudo parece sempre ser possível.
4.
Entretanto, Ricardo Salgado desgraçou-se.
Em pouco tempo estoirou com o nome e a história da família.
O país entorpeceu com as notícias de um homem que criara uma rede de cumplicidades e dependências que sustentavam o seu poder económico e a sua influência política.
Acumularam-se os relatos das reuniões, das negociatas, dos compadrios, das trocas de favores, das suspeições, traições e ilegalidades.
5.
Quase toda a gente lhe virou costas.
Amigos, avençados, jornalistas que antes o bajulavam, políticos que antes lhe telefonavam, banqueiros que antes o veneravam, família que antes dele dependia.
Ricardo Salgado foi abandonado pelos que lhe eram próximos.
Gente borrada de medo por poder ser fotografada ao lado do agora apelidado “dono disto tudo”.
6.
sabel Vaz, presidente da Luz Saúde, deu há dias uma entrevista ao Observador a propósito dos seus 25 anos de liderança.
E a certa altura disse isto:
“Devo toda a minha vida profissional ao Dr. Ricardo Salgado”.
Não conheço Isabel Vaz.
Creio que nunca estivemos juntos no mesmo lugar ao mesmo tempo.
Mas é sempre bonito quando alguém, em circunstâncias difíceis, não renega o seu passado e não deixa cair um amigo, por mais difícil e arriscado que possa ser.
O que Isabel Vaz fez parece não ter importância, mas quero relevá-lo pela raridade.
O caráter, a memória e a coragem não são atributos muito valorizados.
Isabel provou que nada disso lhe falta.
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