Ontem, também pendurei longamente o olhar no plano fixo de um telhado de Roma onde uma gaivota enchia o peito ao vento como um guarda suíço, parecendo vigiar a chaminé mais mediática destes dias.
Nos canais que fui sintonizando, repetia-se aquele plano fixo. E a dado momento, os enormes ecrãs montados na praça apinhada onde todos esperavam, daquela chaminé, um fumo que se espalhasse no céu como música tocada por uma revoada de anjos ou de estorninhos, revelavam à multidão apinhada, o mesmo plano fixo.
Poderia o fumo sair claro ou escuro e, entretanto, instalava-se o crepúsculo, o dia declinava. Em alguns momentos, o plano fixo parecia ter o dedo de um cineasta desenhador de nuvens. O rebanho voador, o céu a que chamam os metereólogos encarneirado deu lugar, em plena hora de vésperas, a um negrume cumuliforme que, em certos momentos, parecia sair daquela chaminé. Logo um clarão fugaz se intrometia, o sol furando entre nuvens pesadas.
Na véspera eu lera que astrónomos de um observatório do Havai tinham ouvido “música” de uma estrela, até agora considerada silenciosa. Nos vários estúdios de televisão presbíteros sugeriam que “Nosso Senhor faz surpresas” e que os cardeais em sua silenciosa compenetração seriam tocados pelo Espírito Santo e eu pensei em pombas voando muito longe do telhado guardado pela gaivota com porte de guarda suíço.
Um padre chamado João Vila Chã fala, já não sei em que canal, de “igrejas longínquas”, quase tão longínquas (sou eu a deixar-me ir com as nuvens, os olhos ainda presos à chaminé do plano fixo) quase tão longínquas como a estrela cujas “oscilações ondulantes” ressoam nos ouvidos dos astrónomos do Havai. E o padre, cuja voz me soa a música, explica agora que o cardeal da Mongólia é visto, até pelos observadores qualificados, como o pároco de uma pequena aldeia. E, todavia, é o cardeal da Mongólia.
Em cima das seis da tarde, nuvens negras, de fumo nada. “Para o bem da Igreja, é bom que não haja pressa”, diz outro presbítero comentador. A gaivota imóvel parece estar de acordo. Alguém observa, noutro canal: “Não sei se é a mesma gaivota de 2013”.
O telhado, sim, é o mesmo. E a chaminé, também. E lembro-me de Mia Couto, poeta atento à ciência: “Se construísse uma chaminé em minha casa, não era para sair o fumo, mas para entrar o céu”.
Yaguang Li, o investigador do Instituto de Astronomia da Universidade do Havai, explica que “as vibrações de uma estrela são como a sua canção única”. O Espírito Santo, sentado numa nuvem por detrás da Mongólia, trauteia um nome, um ponto cardeal.
Mesmo diante de um plano fixo, os pensamentos levantam voo.