1.
A Volta a França está na estrada e eu tenho tantas saudades do Fernando Emílio.
Quando morreu, na Primavera do ano passado, foram publicadas notícias e comunicados – da Federação de Ciclismo, do Sindicato de Jornalistas e até da Presidência da República.
Mas todos os salamaleques foram de menos para aquilo que representava o Fernando Emílio – a sua morte representou bem mais do que a perda de um dos melhores e mais especializados jornalistas na área do ciclismo.
2.
Agora que o Tour está na estrada e o nosso João Pedro Mendonça, aqui na RTP, abre as portas do bom jornalismo, vou falar-te um bocadinho do Fernando.
Era pequenino e elétrico.
Os seus olhos morenos não paravam apenas num único lugar, era um temível observador, um farejador de notícias, um apaixonado pelo ser humano.
Recebia à mesa quem se quisesse sentar e viesse por bem – bebia, comia, contava histórias e anedotas picantes.
Onde ele estava, estavam sempre muito mais.
Nunca o vi sozinho.
Conhecia os donos dos restaurantes, as cozinheiras, os empregados, os petiscos. Chegava e era uma verdadeira festa estivesse onde estivesse.
3.
E sempre a trabalhar.
Quando saía da redação os olhos vivos continuavam à caça de uma notícia, de uma nova pessoa por revelar, de um novo petisco, de uma nova ideia.
Além de tudo isto, um homem corajoso.
Revelou os podres do ciclismo sem ceder às pressões de amigos para não publicar notícias. Fê-lo por acreditar que o ciclismo poderia morrer se não fosse travada a tentação de ganhar a todo o custo.
4.
Vejo a Volta, imagino os Pirenéus e os Alpes, aplaudo o nosso João Almeida e lembrei-me…
… da Caldeirada de Chocos prometida que não chegámos a comer.
Do dia em que me falou do cancro.
Do dia em que morreu, precisamente 40 anos depois de Joaquim Agostinho, no mesmo dia 10 de maio…
… vá-se lá perceber estas coisas.
Também do dia em que levou Maradona a comer cabrito num restaurante em Viseu.
Ou da manhã em que saiu menino travesso de uma aldeia profunda do Alentejo.
Ou de quando bateu à porta do jornalismo apenas com a 4ª classe a roupa que trazia vestida.
Ou do dia em que surpreendeu o país com os seus improvisos radiofónicos nos mundiais de hóquei ou na Volta a França quando acompanhava Agostinho nas subidas e nas jantaradas a seguir com chouriça e torresmos que trazia da terra.
Querido Fernando
Valeu bem a pena teres saído da aldeia.
Valeu bem a pena teres trepado à mais alta montanha da vida.
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