1.
Mia Couto é o escritor que eu gostava que ganhasse o Nobel.
Não é que seja o mais importante, não é que ele precise de o conquistar para ser o que já existe em mim, mas não posso dizer que isso não me fizesse feliz por um divino instante.
É que o Mia, mais do que qualquer outro, inventa novas palavras e se as faz nascer o seu mundo é maior do que o meu que só tenho as que foram inventadas.
Não é pequenino o que escrevo.
O mundo precisa tanto disso, de ser alargado, de ser habitado por novos sons, novas pessoas, novas letras que se desentranhem destas e nos reinventem, nos baralhem, nos transportem para uma outra dimensão onde nos possamos encontrar e ser mais, ser melhores.
2.
Mia Couto devia ganhar o Nobel por ser luz.
Por ser um escritor maior e corajoso.
Por utilizar a vida como um laboratório da escrita, não a realidade imaginada, o sofrimento que se vê nos filmes ou no que se conta, mas a vida mesmo…
…a escolha de Moçambique como Pátria quando podia ter sido mais fácil se embarcasse para Lisboa, em 1975.
Tinha 20 anos e os amigos e a família diziam-lhe para fugir. Se não o fizesse corria o risco de morrer às mãos de um ajuste de contas numa esquina da guerra.
Só que ele nascera ali, Moçambique era o seu país, faria o que fosse preciso para ficar.
E fez, arriscou, comprometeu-se na guerra, militou na clandestinidade, atrasou os estudos de Medicina a pedido dos que lutavam para que o país nascesse.
Durante 11 anos deixou de estudar.
E quando voltou já não desejava ser psiquiatra. Escolheu Biologia e licenciou-se em Maputo, na Universidade Eduardo Mondlane.
3.
E começou a escrever.
Histórias mágicas.
Personagens inesquecíveis.
Há tantos homens, mulheres e crianças que nasceram dos seus dedos, na sua cabeça.
Continuo prisioneiro de Muidinga, criança perdida entre escombros da guerra, de todas as guerras, menino que se irá reencontrar dentro do esqueleto de um autocarro incendiado.
Continuo preso aos cadernos que o salvaram – cadernos com estórias que nos tiram do nosso mundo quadrado num dos meus livros preferidos, a sua inesquecível “Terra Sonâmbula”.
Sim, apenas as palavras nos podem salvar.
Novas palavras.
Novos sentidos.
Novas estórias.
Novas pessoas.
E Mia Couto, filho de Maria de Jesus e Fernando, habitante de um mundo que inventou, será sempre o meu principal candidato ao reconhecimento do mundo.
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