1.
Os alemães recordaram em setembro passado um português humilde, um carpinteiro que mal sabia ler, mas que saiu de Nelas, distrito de Viseu, para poder oferecer um dia uma vida decente aos dois filhos.
Passaram 60 anos desde a manhã em que Armando Rodrigues de Sá, com uma mão à frente e outra atrás, chegou à estação de comboios de Colónia. Desceu do comboio e havia uma festa que o fez sorrir: miúdos a tocar, tambores, palmas e até um tímido fogo de artifício.
Armando assustou-se quando percebeu que as pessoas olhavam para si – nunca ninguém olhara para si fora dos bailes da aldeia.
Os miúdos dos tambores olhavam para si.
As senhoras à volta olhavam para si.
Homens bem vestidos olhavam para si.
2.
Alguém o abordou, mas Armando não falava uma única palavra de alemão.
Ou de inglês.
Ou francês.
Falava português com sotaque de Viseu.
E foi nesse português que pediu ajuda a um português que ali se encontrava – o que estava a acontecer ali, perguntou. Mas antes da pergunta fez o desabafo sofrido de que era um engano, ele despedira-se na Companhia Portuguesa dos Fornos Elétricos e decidira vir trabalhar para a Alemanha e se quisessem podia mostrar o contrato de trabalho.
3.
O português abraçou-o e explicou.
Não Armando, é mesmo para ti.
Tu és o imigrante “Um Milhão”, os alemães estão a celebrar o milhão de portugueses que estão a trabalhar aqui.
Na comunidade portuguesa ficámos muito felizes, vais receber uma mota e tudo.
E recebeu mesmo uma Zundapp que pode ainda ser vista no Museu de História Contemporânea em Bonn.
4.
Passaram mais de 60 anos desde esse 10 de setembro de 1964.
Armando regressou à sua aldeia de Vale de Madeiros, em 1979. Vinha debilitado, espremido e acabado por causa de um acidente de trabalho.
A sua aldeia não o recebeu em festa como os alemães naquela manhã de Sol e tambores.
Armando Rodrigues de Sá morreu sem nunca esquecer o dia em que o receberam como um herói, com sorrisos e palavras que não entendeu, o dia mais feliz da sua vida.
Era um português que se fez à estrada.
Como outros milhões de portugueses.
Nós fomos sempre os que fomos.
Que, no final das contas, não nos esqueçamos disso.