1.
Nunca estive com Sónia Ré.
Sei que mora em Cacilhas, sei que acaba de completar 50 anos e que a sua mãe morreu com um cancro em maio passado.
Sei que me escreveu a contar de um livro que comprou e dedicou à sua mãe, um livro que adorava que a mãe lesse, mesmo já tendo morrido.
2.
Não a conheço pessoalmente, mas a Sónia comoveu-me.
Porque o livro que agora descansa na estante da mãe, o lugar onde ela guardava os seus livros mais preciosos, foi escrito por mim e é o resultado de uma conversa de muitas horas com
Manuel Sobrinho Simões, o professor dos professores de medicina, o patologista mais influente, porventura o maior especialista de cancro da tiroide do mundo.
A filha Sónia escreveu-me assim:
“Luís, talvez um dia eu o leia, mas este seu livro, este vosso livro, é para ela. Repousará na sua estante e quem sabe? Ela gostava tanto de si e admirava muitíssimo o Professor Sobrinho. Quis dizer-lhe isto, quis agradecer-lhe”.
3.
A Sónia mora em Almada, perto da estação de Cacilhas, é mãe pelo menos de uma menina já adolescente e filha de uma mulher que gostava do que eu escrevia, uma mãe que teve um cancro que a obrigou a partir em maio passado.
Sei da sua estante, da sua curiosidade por querer saber sempre mais, do gosto que teria em saber da doença que lhe tocou, o mal que levou também a minha mãe…
… sei que parava para ouvir e ver Sobrinho Simões sempre que aparecia na televisão ou falava na rádio e acredito que gostará de saber por ele do que raio aconteceu para que todo o seu corpo colapsasse tão rapidamente.
4.
Não conheço a Sónia, mas conheço-a.
Deu-me a notícia de que o meu livro habita agora numa estante mágica.
Obrigado, Sónia.
Do fundo do meu coração, obrigado por me ter oferecido a imortalidade.